Noruega, arte e Munch

Não há muitas voltas a dar, Edvard Munch (1863-1944) é de facto a presença mais marcante nos museus de arte da Noruega. Aliás, em três semanas na Escandinávia e arredores, nunca entrei num em que não visse uma obra do pintor norueguês.
A Galeria Nacional, actualmente integrada no Museu Nacional de Arte, Arquitectura e Design (Nasjonalmuseet for kunst, arktitektur og design), exibe, entre muitas outras obras, as versões mais conhecidas do Grito e da Madona.
O Museu Munch, igualmente em Oslo, possui um espólio considerável de pinturas e litografias, de onde foram roubadas, em 22 de Agosto de 2004, duas versões locais do Grito e da Madona, numa cena perfeitamente rocambolesca, ante o olhar incrédulo do público e das câmaras de vigilância.
Digo versões locais, porque, ao longo da sua carreira, Munch dedicou muito tempo a trabalhar sobre as suas obras mais conhecidas, em diferentes técnicas. Só do Grito existem cerca de 50 versões. A entrada no Museu Munch inunda-nos com uma estranha sensação de déjà vu, ao vermos desfilar diante dos nossos olhos obras muito semelhantes às vistas na Galeria Nacional. Mas é uma visita que vale bem a pena, sobretudo pela colecção de litografias.
Segue uma pequena escolha de obras do pintor norueguês, dos vários museus que visitei nessa altura.


A Criança Doente, 1885/86
Óleo sobre tela, 119,5 x 118,5 cm
Oslo, Nasjonalgalleriet



Karl Johan ao Anoitecer, 1892
Óleo sobre tela, 84,5 x 121 cm
Bergen, Bergen Kunstmuseum, Colecção Rasmus Meyer



O Grito, 1893
Óleo, têmpera e pastel em cartão, 91 x 73,5 cm
Oslo, Nasjonalgalleriet



Cinzas, 1894
Óleo sobre tela, 120,5 x 141 cm
Oslo, Nasjonalgalleriet



Madona, 1894/95
Óleo sobre tela, 91 x 70,5 cm
Oslo, Nasjonalgalleriet



Luar, 1895
Óleo sobre tela, 93 x 110 cm
Oslo, Nasjonalgalleriet



O Medalhão / Eva Mudocci, 1903
Litografia, 60 x 46 cm
Oslo, Munch-Museet



Homens no Banho, 1907/08
Óleo sobre tela, 206 x 227,5 cm
Helsínquia, Ateneum

InterRail 2005 (II)

Na segunda noite, lembro-me de ter dormido melhor. Não havia tanta gente na cabine onde estava e isso e o cansaço acumulado cedo me fizeram embarcar no reino dos sonhos, embalado pelo constante trepidar das carruagens.
À chegada a Paris, novamente me apercebi das medidas de segurança reforçadas. Devo dizer que, dos países que percorri, a França foi aquele onde estas se fizeram sentir de forma mais nítida. Para onde quer que olhasse, lá estavam sempre um ou dois polícias com as semi-automáticas a tiracolo... apesar de olharem mais para as pernas das raparigas que passavam, em vez de procurarem possíveis ameaças à segurança, mas isso é um pormenor...
Apesar de esta passagem por Paris ser meramente para mudança de comboio, pois aquele que tencionava apanhar para Amesterdão partia de uma outra gare (Gare du Nord), e só à noite, meti-me no metro e, depois de guardar as mochilas num cacifo (caríssimos, em França!) dessa gare, aproveitei as breves horas de que dispunha percorrendo as margens do Sena. O tempo estava uma lástima, diga-se de passagem. Caía uma chuva miudinha muito incomodativa e o céu encontrava-se encoberto. Acompanhando os bateaux-mouches com o olhar, admirei Notre-Dame à distância, o Musée d'Orsay, o Louvre, a Torre Eiffel... Regressei pela outra margem e fui-me assim aproximando progressivamente da Gare du Nord, abrigando-me aqui e ali da chuva... procurando as imagens que nos ficam na retina para mais tarde recordar. Tanto pode ser um monumento, como uma velha sentada num banco de jardim, um mercado de rua, saltimbancos, aves... parte do encanto de viajar reside nessas imagens sempre diferentes, que nos atraem o olhar e chamam a atenção.


Visão global do percurso que fiz ao longo das margens do Sena

Por esta altura eu ainda desconhecia, mas, salvo raras excepções, acabei por encontrar sempre chuva na maioria das cidades visitadas, mesmo tratando-se de Agosto... ao mesmo tempo, em Portugal, a seca prolongada fazia das suas, enquanto o país, indiferente, como sempre, se apinhava em busca de sol nas praias. Veio-me muitas vezes esta imagem ao pensamento, especialmente depois de levar uma valente molha...
Depois de se fazer de noite, e dispondo ainda de algumas horas, a melhor opção é procurar sempre um centro comercial ou um bar e passar aí o tempo restante até regressar à estação e embarcar para novo destino. Optei pelo segundo e lá tive de abrir os cordões à bolsa, pois o custo de vida em França é muito alto, quando comparado com a nossa realidade.
Não sei por que chamam la ville lumière a Paris. Claro que possui um imenso colorido nocturno, mas, se a comparar com outras cidades à noite, não me parece que exista uma tão grande diferença, até porque a quantidade de luzes se esbate no horizonte e os efeitos são similares a cidades menores. Mas não sei, talvez vendo a aproximação à cidade por avião, durante a noite, ela realmente mereça esse epíteto. Já de volta à gare, descalcei-me, regressei às minhas leituras e aproveitei para descansar um pouco, preparando-me já para a etapa seguinte: Amesterdão.


No interior da Gare du Nord. Destemido, como sempre.
Lá fora, chovia... e eu de t-shirt e calções!


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Texto e imagens de Pedro Bicho

Moon River

Moon River, wider than a mile
I'm crossin' you in style some day
Oh, dream maker, you heart breaker
Wherever you're goin', I'm goin' your way

Two drifters, off to see the world
There's such a lot of world to see
We're after the same rainbow's end
Waitin' 'round the bend
My huckleberry friend
Moon River and me



Música de Henry Mancini, letra de Johnny Mercer.
Imagem e som (retirados daqui):
Audrey Hepburn, no filme de Blake Edwards, Breakfast at Tiffany's, 1961.

InterRail 2005 (I)

O Pedro ainda não tomou posse do espaço cibernético que lhe é devido, mas continua a viajar e a ter muito que contar. Nas suas próprias palavras: «Acho que se tenho calhado de nascer na época dos Descobrimentos, eu devia ser daqueles que iam à procura do fim do mundo... e continuavam ao descobrirem que ele não terminava ali».
Acalenta vários projectos para quando concluir o curso: uma viagem coast-to-coast, de carro pelos EUA, com incursões pelo México e pelo Canadá, e ainda umas primeiras experiências profissionais que o levem a países europeus distantes do nosso (por exemplo, Lituânia, Estónia, Letónia, Suécia, Islândia ou Chipre).
De momento, prontificou-se a partilhar as suas memórias do último InterRail que realizou. Segue, então, o primeiro episódio, com os meus agradecimentos ao Pedro.
Parti dia 30 de Julho. Tal como no ano anterior, foi na companhia de um amigo que fui novamente passar o mês de Agosto a desbravar o continente europeu e, tal como nos anos anteriores, o problema foi mesmo sair de Portugal... a linha estava novamente (!) cortada devido a um incêndio e foi com algum alívio que deixei terras lusas... terras de Portugal.
À passagem por Vilar Formoso, já o relógio assinalava as horas bem para lá da meia-noite. A sempre necessária versatilidade de quem se mete nestas andanças cedo teve asas para voar. O comboio estava quase lotado e, se bem recordo, éramos seis na cabine... não dava para dormir deitado. Tirei o meu saco-cama e tomei posse do meio metro quadrado de espaço a que tinha direito. Após meia hora, com o desconforto a aumentar, lá foram as minhas pernas aterrar na cadeira da frente, onde uma rapariga sonolenta descaía intermitentemente, ora para a esquerda, ora para a direita. A noite decorreu assim, neste esticar, encolher de pernas, meio a dormir, meio acordado.
Apesar de ainda se tratar do primeiro dia, foi já com algum cansaço que cheguei a Hendaye. Lembrando-me do ano anterior, recordei que só ao fim de alguns dias o corpo estaria habituado às agruras de chamar casa a um comboio... e de tantas em tantas horas ter de mudar de casa, qual maltrapilho errante... Nem todos aguentam, mas é muito, muito interessante...
Recordo-me perfeitamente de que chovia imenso em Hendaye. Ainda ensaiei uns passos junto à praia mais próxima, mas quando a chuva apertou regressei num ápice, já um pouco encharcado, à estação e foi na companhia do meu fiel amigo de viagem (um livrinho de Edgar Allan Poe, em inglês) que passei, tranquilamente, as horas seguintes. De vez em quando, olhava para a minha máquina digital e para o telemóvel que deixara a carregar numa tomada num canto mais resguardado da estação.
Foi já em França que constatei o medo crescente dos atentados terroristas. Pela primeira vez, encontrei a estação de Hendaye policiada (e logo por polícias com metralhadoras a tiracolo) e assisti à interpelação de várias pessoas de tez mais escura. Um cidadão asiático creio ter sido mesmo detido nessa altura, pois foi com os polícias para uma sala e não mais o tornei a ver, enquanto ainda permaneci na estação.
À tardinha, finalmente, embarquei, rumo a Paris.


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Texto de Pedro Bicho
Horário e mapa do Sud-Expresso de CP