Agosto


Cabeço de Vide (Fronteira), hoje

CowParade Copenhagen 2007


Uma das vantagens de não prepararmos convenientemente as viagens é sermos frequentemente surpreendidos. A primeira surgiu-me num domingo cinzento, encarrapitada em cima da entrada da estação de Nørreport. Depois, fui recebida por duas ao entrar no Tivoli, e passei a estar atenta. E começaram a aparecer de todos os lados. No total, encontrei 16, sem procurar muito. Também é verdade que as organizações as colocam, geralmente, nos locais públicos mais frequentados, de forma a não passarem despercebidas. E não passam.
Em Copenhaga, como em Lisboa, as vacas despoletam situações engraçadas, atraem disparos amadores e a curiosidade das crianças. Emocionou-me a menina em cadeira de rodas a acariciar uma Patchwork Cow (na 3ª imagem), tive de disputar com quatro crianças o espaço para fotografar a Ø-Ko (a Vaca Ilha da 7ª imagem) e conheci a orgulhosa irmã da menina que concebeu a Hot-Cow (a 9ª), a mais jovem artista desta parada, com apenas 13 anos. Como em todas as cidades, algum vandalismo, aqui atenuado pela quantidade de vacas colocadas em locais elevados: encontrei três em cima de entradas de estações e uma suspensa sobre o início da Strøget (Frederiksberggade), uma rua comercial pedestre muito movimentada.
Divertiram-me particularmente Den lille Havko (a 5ª), a vaca decapitada em homenagem à Pequena Sereia, o monumento mais vandalizado da Dinamarca, e a CowDamm (a 14ª), a vaca-instalação, no jardim de Inverno da Ny Carlsberg Glyptotek, o museu (de arte) da (Fundação) Carlsberg (onde eu pensava que ia beber cerveja, vejam só aonde chega a ignorância e a falta de preparação).
Foram mais alguns momentos divertidos, patrocinados pela CowParade. Só que agora já não sei se sou eu que as caço, se são elas que me perseguem.
Quem as quiser ver, que se despache, que elas já só por lá andam até ao próximo dia 31.

Mais uma volta, mais uma (grande) viagem





Foi assim a minha última viagem: a azul, a ida; a castanho, a volta; a verde, excursões, incursões e passeios vários. O círculo maior assinala as bases operacionais; o menor, destinos transitórios e pontos de interesse.
Três semanas, muitas centenas de fotografias, muitas impressões, muitos encontros e reencontros, muitos amigos. Como todas as viagens deviam ser.

Em viagem









Ilustrações do meu primeiro livro em papel, que foi também o primeiro de vários da Anita com que familiares e amigos me foram presenteando, religiosamente, no Natal e no aniversário, durante a primeira metade dos anos 70.
Antes, foram os livros de pano. O que mais me marcou foi o da história da Carochinha, toda em quadras de versos de 7 sílabas, com rima cruzada no segundo e no quarto, que eu tinha já decorado integralmente aos 2 anos. Não consigo perceber porquê: aquela história moralista causou-me pesadelos durante muito tempo, assim como muito me fez chorar, solidária com a personagem principal, a sua triste sina e merecido castigo. Um exemplo acabado da linha dura da concepção clássica de literatura para a infância.
Depois, foram os livros dos Cinco e de tudo o que eu consegui apanhar de Enid Blyton. De todos, os meus favoritos eram os dos quatro primos e do cão Tim, que corriam terras de Sua Majestade a resolver mistérios (ah!, as férias na Cornualha!...).
No entanto, aquele período entre os 3 e os 6 anos foi mesmo ocupado pela menina belga que se fartava de fazer coisas divertidas com o cão Pantufa: ele era circo, ele era teatro, compras, viagens, jardinagem, baby-sitting, ballet, culinária, equitação, limpezas, festas e trabalhos da escola. Era sempre perfeita, bonita, organizada, popular, modesta, obediente e pronta a aprender com as lições da vida. Um modelo de virtudes. Acompanhou épocas e modas, mudou de penteado e de amigos, teve gatos, tartarugas, primos, tios e uma preceptora inglesa. O seu universo familiar mudou tanto como o visual da mãe e o seu próprio: foram um reflexo das mudanças sociais na Europa a partir dos anos 50. Alguns álbuns antigos tiveram de ser refeitos, por terem sido rotulados de politicamente incorrectos, racistas e sexistas, e hoje a Anita é tão olhada de soslaio, pelos pais responsáveis, como a Barbie.
Mas mais de 50 anos de edições, mais de 50 títulos e mais de 50 milhões de exemplares vendidos em vários países fazem pensar que alguma coisa a Anita deve ter para ter cativado e continuar a cativar crianças de tantas gerações. Para mim, o mérito é inteirinho das ilustrações de Marcel Marlier, com o seu realismo ingénuo, os seus pormenores mimosos e os seus tons pastel.
Quer se queira quer não, há certos recursos estéticos a que as crianças são mais sensíveis. Lembro-me de quando, no pós-25 de Abril, Vasco Granja nos tentava aliciar para a animação dos países de Leste. Nós aceitávamos, só por sabermos que no fim do programa nos brindaria com mais uma criação de Ted Avery.
O meu amigo Francisco, quando era criança (sim, porque agora tem 7 anos), mostrou-me uma vez a sua colecção de filmes, entre os quais uma qualquer história tradicional, com uns bonecos muito simpáticos na caixa, que, segundo ele, não era verdadeira. Eu tentei explicar-lhe, com muita calma e muita sabedoria, que a mesma história pode ter muitas versões diferentes, consoante quem a conta, e que nenhuma tem de ter mais valor que outra, que os estúdios Disney, enfim, não detêm o monopólio do imaginário colectivo. O meu amigo Francisco ouviu-me atentamente e, no final, retorquiu: «Sim, Teresa, a minha também é muito bonita, mas não é a verdadeira».
Até hoje, vá-se lá saber porquê, nunca me consegui desfazer dos meus livros da Anita, que vão saindo, de vez em quando, da arrecadação, direitinhos para o scanner. Talvez ainda voltem a passar por aqui.

Ilustrações de Marcel Marlier, para Gilbert Delahaye & Marcel Marlier, Martine en bateau, Casterman, 1961
(edição portuguesa: Anita em viagem, Lisboa, Verbo Infantil, s/d, pp. 3, 5, 6 e 19).