Semanas gloriosas, de um Agosto muito quente, com uma onda de calor a assolar a Nova Inglaterra, e nós no carro, a cantar por cima do rádio e a contar state line atrás de state line: Massachusetts, New Hampshire, Maine, Vermont, New York,...

Semanas memoráveis, quando este mundo era outro e os americanos afrouxaram as regras de segurança, permitindo a entrada no país sem visto a um maior número de visitantes estrangeiros, entre os quais os portugueses, e entre eles eu.
Foi assim que rumei a Boston, com escala em Newark, passaporte na mão, a puxar o meu trolley pequeno (ainda me lembro da cara da Audrey, quando lhe disse que não tinha mais bagagem, mas a tua mãe tem máquina de lavar roupa, não é? Detesto desfiles de moda!).
Guardo nitidamente na memória a primeira imagem do solo norte-americano, quando, ao desembarcar no aeroporto de Newark, passada a manga e um longo corredor vazio, fui recebida, ao virar de uma esquina, por uma parede verde-água com a inscrição em letras garrafais: «Welcome to the United States of America». Numa fracção de segundo, passaram-me em turbilhão imagens do muro junto à fronteira com o México e das jangadas cubanas, o som dos Zebda: «Je suis venu, mais je suis pas venu, tu penses, m'entendre dire: Sois le bienvenu» e o estranho desconforto de me sentir uma ocidental privilegiada.
A primeira vez que o vi, o carro da Audrey, foi no estacionamento do aeroporto de Boston. Lembro-me de ter reparado numa mancha gordurosa no chão: «O depósito tem uma fuga, mas na oficina disseram que não é grave, que aguenta até ao fim-de-semana. O meu mecânico no Vermont depois vê». Ainda tentei argumentar que uma fuga de combustível não me parecia um diagnóstico muito saudável, mas o cansaço de uma viagem longa, 5 horas de atraso no relógio e as perspectivas de atravessar Boston ainda com luz e de um duche no apartamento da Audrey, em Somersworth, New Hampshire, depressa me fizeram entrar no carro sem mais questões. Escusado será dizer que o carro já não saiu esse fim-de-semana da oficina e que a Audrey teve de voltar ao trabalho (ainda na PanAm, até ao final desse ano, depois foi o que já se sabe, naquela como nas outras companhias de aviação) com o carro da Ana.
Foi assim que me vi presa uma semana em Lowell, Vermont, sem grandes possibilidades de movimentação, mas com uma oportunidade ímpar de conhecer o American way of life na América rural profunda, entre montes verdes, pontes cobertas, vacas (aquelas que dão o leitinho com que se produz o Cabot Cheese), colibris, esquilos, doninhas fedorentas, telenovelas mexicanas, general stores, quedas de água, campos de girassóis e uma estranha ausência de alces.

Imagens do vídeo de Red Hot Chili Peppers, realizado por Stephane Sednaoui, Scar Tissue, Moebetoblame Music, BMI / Warner Bros. Records Inc., 1999.
Uma América menos verde, mas bem road movie.
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