Papa-unescos (XXIV)


Gizé (Egipto), Agosto de 2024

(53) Mênfis e a sua necrópole -- os campos de pirâmides de Gizé a Dachur (Egipto)

Quem sonha, desde criança, ir ao Egipto, não tem em mente cidades caóticas e poeirentas; pensa, sim, em pirâmides, esfinges e sarcófagos. Isso já o sabia a UNESCO, que, em 1979, na segunda vez que o Comité do Património Mundial reuniu para classificar locais a proteger, acolheu na lista a maior parte dos vestígios civilizacionais dos antigos egípcios.
Vinte quilómetros a Sul da actual capital do país, situava-se Mênfis, cidade fundada antes do século XXXI a.C. e que foi a capital do Baixo Egipto e, depois, do Império Antigo do Egipto unificado. Hoje, subsistem poucos vestígios da cidade dos vivos, mas muitos monumentos à glória dos mortos. Os principais são, sem dúvida, as pirâmides do planalto de Gizé, no Deserto Ocidental. Aí, encontram-se as três grandes pirâmides dos faraós Quéops, Quéfren e Miquerinos, as três pequenas pirâmides das rainhas e a Grande Esfinge, além dos vestígios de numerosos outros túmulos e templos.






A Grande Pirâmide de Quéops, construída, sensivelmente entre os anos 2589 e 2566 a.C., com 146,7 metros, é a maior da necrópole, apesar de a do seu filho Quéfren, por ter sido construída numa elevação do terreno, aparentar ser mais alta. Tinham ambas uma cobertura em pedra calcária que alisava as paredes exteriores e o topo era forrado a folha de ouro. O metal precioso desapareceu há muito, e mesmo o revestimento calcário foi sendo retirado, ao longo dos séculos, e reaproveitado para outras construções. Hoje, apenas a pirâmide de Quéfren mantém vestígios do revestimento liso, no vértice.




Cada uma das pirâmides fazia parte de um complexo funerário que integrava templos, túmulos de parentes, estátuas e alamedas monumentais. Por exemplo, a mais pequena das três, a pirâmide de Miquerinos, está acompanhada por três pirâmides menores, que se crê serem das suas esposas. Já do complexo funerário de Quéfren faz parte a Grande Esfinge, uma estátua colossal com a cabeça do faraó e corpo de leão.


Vista para o Cemitério Ocidental, a partir da Grande Pirâmide.
Contudo, a pirâmide mais antiga encontra-se, cerca de 20 km a Sul, na necrópole de Sacará e faz parte do complexo funerário do faraó Geser (ou Djoser): a Pirâmide de Degraus.




Sacará (Gizé, Egipto), Agosto de 2024
A Pirâmide de Degraus, cuja arquitectura é tradicionalmente atribuída a Imotepe, chanceler do faraó, foi construída, aproximadamente entre os anos 2680 e 2650 a.C., como uma sobreposição de seis mastabas. O monumental complexo funerário de Geser ocupava cerca de 15 hectares e incluía (além da pirâmide, ao centro) templos, capelas, altares, túmulos, pátios, armazéns, tudo rodeado por uma muralha rectangular de muros de tijolo, com 10,5 metros de altura. A entrada no complexo fazia-se através da porta a Sudeste (havia outras 14, todas falsas), que dava acesso a um corredor ladeado por duas colunatas, que subsistem, em estado de conservação razoável.
O planalto de Sacará foi lugar de sepultamento nobre desde a primeira dinastia (com a capital em Tinis, no Alto Egipto, os reis eram sepultados na necrópole de Abidos). A partir da segunda dinastia, com o aumento da importância de Mênfis (capital do Baixo Egipto e que viria a tornar-se a capital do Egipto unificado), os túmulos reais passam a ser erigidos em Sacará. Assim, podem ser aí encontradas inúmeras mastabas (muitas ainda por descobrir) e, a partir da de Geser, pirâmides.




A pirâmide de Teti, primeiro faraó e fundador da sexta dinastia, é a segunda pirâmide conhecida com textos e feitiços de protecção funerários esculpidos nas paredes (a primeira foi a de Unas). No tecto, representação de estrelas.




Do cemitério de Teti fazem parte diversas outras pirâmides e mastabas, acompanhadas dos respectivos templos: da sua mãe, das suas duas esposas principais, de um filho, de Kagemni, seu vizir e genro, do seu vizir Ankhmahor e do seu vizir Mereruka (também conhecido como Meri ou Mera), sucessor de Kagemni. Mereruka foi, no seu tempo, a pessoa mais poderosa do Egipto depois do próprio rei. Além de Vizir (Primeiro-Ministro e Ministro da Justiça) e genro do faraó, acumulava vários outros títulos e cargos oficiais (e fortuna condizente), como os de "Director de todas as obras do rei" (Ministro das Obras Públicas e, possivelmente, arquitecto), "Governador do palácio", "Sumo sacerdote-leitor", "Escriba dos livros divinos", "Supervisor dos escribas dos registos reais", "Director dos escribas dos arquivos" e "Inspector dos sacerdotes ligados à pirâmide de Teti". Assim sendo, fez construir, para si e para a sua família, a maior e mais complexa mastaba não real, em todo o complexo de Sacará, com 32 câmaras! A entrada desta mastaba pode ser vista acima.


Ruínas do Templo do Vale da Pirâmide de Unas, com a Pirâmide de Degraus ao fundo.


Outra pirâmide, túmulos e escavações em Sacará.
Da cidade de Mênfis, na verdade, sobra muito pouco. O local, hoje na aldeia de Mit Rahina, foi transformado num museu ao ar livre, onde podem ser apreciadas algumas ruínas e esculturas, como a estátua colossal deitada de Ramsés II e a Esfinge de Alabastro, que não se sabe quem retrata: Amenófis II, Amenófis III, Tutemés IV ou mesmo a rainha Hatexepsute, na sua representação masculina.




Mit Rahina (Gizé, Egipto), Agosto de 2024

Isto é o Cairo


Cairo (Egipto), Agosto de 2024

A primeira coisa que me ocorreu, quando cheguei ao Cairo, por volta das três da madrugada, foi que a cidade tinha sido bombardeada, durante uma guerra que eu não conseguia identificar. Ele era prédios meio demolidos, buracos no lugar de janelas, tijolo cru, muito pó e lixo, pessoas em vigília à beira da estrada, crianças a dormirem no passeio, sobre cartões, no meio de um calor intenso, húmido e pegajoso. Não foi a melhor das impressões.
De manhã, persistia uma neblina que não permitia uma vista clara: em primeiro plano, o Nilo, majestoso, com as suas pontes e embarcações, ladeado por hotéis de cadeias internacionais; atrás, o caos urbanístico e rodoviário.






Ah, tudo é diferente
Ah, no Cairo quente

Táxi, "Cairo", 1982.







Nada que eu não tivesse já visto noutros pontos do globo -- a pobreza do tijolo cru das favelas, no Rio de Janeiro; as casas semi-construídas, com as pontas das vigas ainda no ar, à espera que o primeiro filho a casar dê seguimento à obra, e depois o segundo e o terceiro, como vi na Grécia; o calor poeirento de Marrocos -- porém, tudo junto, constituiu uma visão bizarra.
Aparentemente, é uma terra sem regras, onde cada um constrói como lhe apetece, conduz como quer, contorna as leis como lhe convém, onde tudo é negociável e ajustável, mas não é exactamente assim. Quando perguntei como é viver no Cairo, a resposta foi que depende: quem tem dinheiro vive bem, quem não tem vive muito mal, não há meio termo, e qualquer comparação com a Europa é inútil, ali é outro mundo.







No entanto, a cidade também ostenta sinais de modernidade e progresso, como a imponência da Torre do Cairo e a largueza da recentemente remodelada Praça Tahrir, construída durante a campanha de modernização desenvolvida por Isma'il Pasha, que, no século XIX, pretendia criar no Cairo uma "Paris à beira do Nilo", e onde podemos encontrar o Museu Egípcio e o edifício governamental Mogamma.
Quando, porém, ao fim da tarde, subimos a um lugar bem alto e contemplamos a cidade, silenciosa na sua névoa amarelada, com a silhueta das pirâmides ao fundo, sentimos o apelo da História e da aventura.

Heavens above (75)




Portalegre, Agosto de 2024


Lisboa, Agosto de 2024




Cairo (Egipto), Agosto de 2024




Assuão (Egipto), Agosto de 2024


Com Ombo (Assuão, Egipto), Agosto de 2024




Luxor (Egipto), Agosto de 2024


Hurgada (Mar Vermelho, Egipto), Agosto de 2024


Frankfurt am Main (Alemanha), Agosto de 2024


Sobre a Europa Central, Agosto de 2024