Um dos aspectos mais fascinantes das viagens é o contacto enriquecedor com as diferenças culturais, com a consequente relativização de tudo aquilo a que estamos habituados e a construção de novas representações cognitivas de nós mesmos e dos outros. Porém, certas diferenças culturais teimam em colidir com hábitos e rotinas automatizadas. Entre elas, encontram-se os hábitos higiénicos.
Ninguém perde muito tempo a pensar naquilo que faz na casa de banho. É essencialmente um espaço de intimidade e introspecção, onde cada qual pode, inclusivamente, entregar-se a devaneios e actividades paralelas, como ler, cantar e planificar o dia-a-dia. O conceito de casa de banho é, para cada pessoa, um dado adquirido na sua vida.
Ao longo da minha, tive oportunidade de me confrontar com muitas variantes culturais do dito conceito, desde a horta da tia da terra até à sanita ao canto da cozinha da prima de um velho pátio alfacinha. Somos um país de contrastes, é verdade, mas, nas últimas décadas, os hábitos de higiene e as leis que regem a construção civil têm provocado uma progressiva normalização. Embates sérios, tenho-os tido lá fora.
O primeiro tive-o em França, quando, numa casa particular, pedi para ir à casa de banho e me deram uma toalha e dirigiram-me à "salle de bain" propriamente dita, porque, como em todas as casas antigas, o "wc" ficava num compartimento próprio, geralmente contíguo. Três meses vivi eu em Bordéus, na pensão do velho Trou Normand, ao estilo "wc sur le palier", a passear rolos de papel higiénico no corredor...
Daí para a frente, tenho-me divertido a constatar as diferenças e, rapariga precavida, a testar o equipamento previamente. Já encontrei um pouco de tudo, dentro das variantes locais do conceito ocidental.
Às vezes, vou prevenida. Antes de ir para a Escandinávia, tinha lido duas descrições curiosas, uma sobre os bidés finlandeses:
«No quarto de banho é frequente encontrar um objecto não identificado. Próximo da retrete encontra uma espécie de chuveiro que substitui o nosso bidé. O aparelho está ligado ao lavatório e só conseguirá pô-lo a funcionar se abrir a torneira da bacia» (Mariana Oliveira, "Finlândia" in Público, 02/08/03, suplemento Fugas, p. 3).
A outra, do meu amigo Vítor Santos, nas suas saudosas
Crónicas de Copenhaga (2002, ms., capítulo 3), sobre os duches lá em cima, e aquele hábito terrível que faz qualquer pessoa sentir-se passar num ápice de Cinderela a Gata Borralheira:
«As casas de banho são normalmente pequenas e não têm banheira, correndo a água do duche directamente para um ralo no chão. E há sempre em todas as casas de banho um instrumento desses com que se limpam em Portugal os vidros dos carros nas estações de serviço ou que usam os profissionais das limpezas para limpar janelas (como se chama tal coisa?), com que se limpa o chão depois de tomar duche.»
Nenhum mortal consegue perceber por que é que aquelas almas, tão ricas e evoluídas, ainda não integraram conceitos tão simples como uma base de chuveiro e uma cortina, já para não falar de uma cabine de duche... O resultado prático é ter de lavar a casa de banho depois de a utilizar, caso contrário a mesma fica impraticável.
São coisas pequeninas, mas que fazem perder a paciência e um tempo precioso (só dão vontade de rir à distância).
Por exemplo, em 3 semanas na América do Norte, nunca encontrei duas torneiras que funcionassem da mesma maneira: umas para a direita, outras para a esquerda, umas para cima, outras para baixo, para fora, para dentro,... Uma manhã, em Toronto, estive a pontos de desistir de tomar banho, depois de uma luta inglória com o manípulo.
Este ano, no País de Gales, perdi cerca de meia hora à procura do interruptor do duche eléctrico, até me aperceber de um cordelinho suspenso a meio do tecto da casa de banho. Resumindo, de cada vez que queria ligar ou desligar a corrente de água tinha de pôr o braço de fora da cortina e, consequentemente, molhar o chão todo.
Já para não falar das diferenças das loiças sanitárias. Sabiam que nos Estados Unidos, nas casas de banho públicas, há algumas sanitas maiores, para gente muito grande? Apercebi-me disso a primeira vez que, desde a infância, tive dificuldade em lá chegar...
Mas o meu último fascínio são as casas de banho japonesas. E não falo já das sanitas "Japanese style", cuidadosamente evitadas, umas pequenas bacias no chão, para onde, de cócoras, tem de se fazer pontaria. Nem das grandes banheiras para banhos comuns ou dos longos toucadores das casas de banho públicas, onde as coquetes japonesas retocam a maquilhagem (se não for aí, é no metro, nos cafés, em qualquer lado). Deliciosa é toda a tecnologia ao serviço dos hábitos de higiene ocidentalizantes, os secadores de mãos futuristas, ou, mais mecânicos, os tubos de abastecimento de água, que, colocados sobre a tampa do autoclismo, permitem o aproveitamento da água para lavar as mãos, antes de se escoar, por um buraquinho, para dentro do reservatório.
Mas verdadeiramente divinos são os tampos de sanita
TOTO. Impõem respeito, é como estarmos sentados aos comandos de uma nave espacial: nunca sabemos qual dos botões nos vai ejectar para o espaço. As versões bilingues são mais tranquilizantes, mas roubam toda a emoção da descoberta de mais uma função insuspeita: spray, bidé, secador, aquecimento do tampo, aquecimento da água, oscilação do jacto, desodorização ou, cúmulo do requinte, som de autoclismo, para maior privacidade! Encontram
aqui descrição detalhada (em inglês) e ilustrada do funcionamento do equipamento.