Finlândia, arte e design (II)

Mais do que pelas Belas-Artes, a Finlândia é conhecida pelo design. Actualmente, também, pela tecnologia e por um sistema de ensino de sucesso. Grandes nomes da arquitectura e do design produziram pequenos objectos que têm acompanhado várias gerações, nos últimos cem anos.
O Museu do Design, em Helsínquia, dá-nos uma panorâmica geral do que tem sido a criação dos objectos do quotidiano, pelos artistas finlandeses. O site do museu oferece uma galeria virtual, com as criações mais famosas, devidamente comentadas.
Alvar Aalto (1898-1976) será, talvez, o nome mais marcante. Arquitecto de sucesso, de cujo currículo consta, por exemplo, a Casa da Finlândia, um dos edifícios mais visitados de Helsínquia, dedicou-se igualmente a desenhar o mobiliário e os objectos que deveriam preencher os interiores que concebia. Para isso, juntamente com a sua mulher, a arquitecta Aino (Marsio) Aalto, Maire Gullichsen e Nils-Gustav Hahl, criou, em 1935, a Artek, uma empresa de mobiliário, têxteis, candeeiros e objectos de vidro.


Um dos objectos mais conhecidos de Alvar Aalto será, provavelmente, a Cadeira Paimio (1931-32), desenhada para o Sanatório de Paimio, também da sua autoria. Há quem queira ver na Cadeira Paimio uma resposta mais natural (em madeira) à Cadeira Wassily (1925), de Marcel Breuer. Outro objecto é, inevitavelmente, a Jarra Aalto (1936), também conhecida como Jarra Savoy. Foi concebida para um concurso de design, para a fábrica Karhula-Iittala, fez furor na Feira Mundial de Paris de 1937, e foi adquirida, juntamente com os direitos de design, pelo restaurante Savoy, de Helsínquia. Em termos práticos, Alvar Aalto nunca ganhou dinheiro com uma das suas criações de maior êxito, que ainda hoje é amplamente produzida e comercializada.


Aino Aalto (1894-1949) desenhou mobiliário, têxteis e objectos vários. Colaborou na criação da Jarra Aalto e produziu, em 1932, para a Karhula, um conjunto de copos e jarra em vidro ondulado, conhecido como Copos Aalto, que ganhou uma medalha de ouro na Trienal de Milão. Os Copos Aalto são vendidos ainda hoje, e, com ligeiras diferenças, produzidos por empresas como a sueca IKEA.
Kaj Franck (1911-1989) foi um designer versátil, que concebeu muitos objectos, em diversos materiais. Passou pela Artek, em 1940, e em 1945 era já o responsável artístico da Arabia (fundada em 1873). Para a Arabia, produziu a série Kilta (1948), que foi, na época, uma verdadeira revolução no conceito de serviço de mesa: peças livremente combináveis, fáceis de arrumar, mais versáteis e funcionais. Foi ainda responsável artístico da Nuutajärvi (fundada em 1793). Ganhou o Prémio Lunning, em 1955, e, em 1957, o Grande Prémio da Trienal de Milão e o Compasso d'Oro.


Tapio Wirkkala (1915-1985) é considerado um génio do design, extremamente versátil, cujas criações incluem um pouco de tudo, desde trabalho em vidro até notas de banco (as markkas finlandesas de 1955) e arte gráfica. Foi o coordenador artístico da Universidade de Arte e Design de Helsínquia, durante vários anos, e ganhou muitos prémios, de que se destacam três medalhas de ouro na Trienal de Milão de 1951 e outras três na de 1954. Na imagem, a jarra Kantarelli (1946), para a Iittala (fundada em 1881).
Saara Hopea (1925-1984), arquitecta de interiores, colaborou, nos anos 50, com Kaj Franck, na Nuutajärvi. Na imagem, copos empilháveis (1951-52), para a Nuutajärvi. O desenho destes copos habita o meu imaginário infantil, na versão em plástico da Domplex.


Bertel Gardberg (1916-) criou um novo conceito de design em metal. Foi um renovador nos domínios da joalharia e da cutelaria, por exemplo. Na imagem, bule para cacau (1955).
Eero Aarnio (1932-) começou a trabalhar com plástico no início dos anos 60. A sua Cadeira Ball (ou Globe) (1963) fez sensação na Feira de Mobiliário de Colónia de 1966. Outros sucessos, ainda hoje produzidos e comercializados pela Adelta, foram a Cadeira Bubble (1968), suspensa e transparente, e a Cadeira Pastil (1968), colorida e flutuante.
O design finlandês é um negócio florescente. O Grupo Iittala é um dos líderes do mercado dos artigos para a casa, tendo absorvido algumas das mais importantes marcas escandinavas: Arabia, Hackman, Iittala-Nuutajärvi, BodaNova, Höganäs Keramik, Rörstrand e Hoyang-Polaris.


Pessoalmente, o contacto mais intenso que tive com o design, na Finlândia, foi através da Marimekko. A empresa foi fundada em 1951, por Armi e Viljo Ratia, com o objectivo de passar desenho gráfico para têxtil e produzir uma linha simples de vestuário. À esquerda, o padrão Melooni (1963) de Maija Isola (1927-2001).
Em 1964, depois de Armi Ratia ter anunciado publicamente que a Marimekko não produziria tecidos florais, Maija Isola desenhou, em protesto, aquele que viria a ser o padrão mais conhecido da marca, o Unikko. Ainda em 2003, as enormes flores coloridas preenchiam as montras das lojas Marimekko, que se encontravam inundadas por todo o tipo de artigos da colecção, que iam do vestuário, aos têxteis domésticos, passando pelo material de escritório, pela cerâmica e por tudo o mais que se possa imaginar. Confesso que chegava a enjoar, mas não resisti a trazer uns pequenos souvenirs da lojinha de Savonlinna: um individual de mesa e um par de meias. Ainda me lembro do ar divertido da Ana Isabel, quando viu as minhas compras: «Tu és incrível: como é que, num cesto enorme de peúgas das cores mais improváveis, conseguiste encontrar o par mais desenxabidinho? Deviam ter-te feito um preço especial!».

Finlândia, arte e design (I)

O nome maior da pintura finlandesa é Akseli Gallen-Kallela (1865-1931). Fixei-o pela primeira vez, em Viena, quando vi uma pintura sua no Belvedere: uma composição de barras verticais paralelas, intitulada algo como Floresta Finlandesa. Não voltei a ver a obra, nem qualquer reprodução sua, mas o nome do pintor ia na bagagem, no ano seguinte, quando fui à Finlândia.
Gallen-Kallela foi essencialmente um nacionalista, e notabilizou-se pela ilustração da Kalevala, o épico nacional finlandês. Tem um museu fora de Helsínquia, que não visitei, mas pude apreciar um número razoável de obras suas no Museu de Arte Finlandesa, o Ateneum.
Outros nomes marcantes da pintura finlandesa são, por exemplo, Helene Schjerfbeck, Albert Edelfelt e Hugo Simberg, que já por aqui passou. Na escultura, a reter Wäinö Aaltonen.
Segue uma pequena escolha de obras da colecção do Ateneum. O site do museu oferece, aliás, uma apresentação detalhada e bem documentada de uma selecção das melhores obras.
O Ateneum está institucionalmente ligado à Galeria Nacional Finlandesa (Valtion Taidemuseo), juntamente com o Museu de Arte Contemporânea (Kiasma), o Museu de Arte Sinebrychoff e o Arquivo Central de Arte. O site da Galeria Nacional permite efectuar uma excelente busca por nome de autor e título de obra (em finlandês), na extensa base de dados dos seus vários museus.


Akseli Gallen-Kallela (1865-1931)
Rapaz com Gralha (Poika ja varis), 1884
Óleo sobre tela, 86 x 72 cm
Helsínquia, Ateneum



Albert Edelfelt (1854-1905)
Pôr-do-Sol em Kaukola (Kaukolan harju auringonlaskun aikaan), 1889-1890
Óleo sobre tela, 116,5 x 83 cm
Helsínquia, Ateneum



Ellen Thesleff (1869-1954)
Auto-retrato (Omakuva), 1894-1895
Lápis e sépia sobre papel, 31,5 x 23,5 cm
Helsínquia, Ateneum



Akseli Gallen-Kallela (1865-1931)
A Mãe de Lemminkäinen (Lemminkäisen äiti), 1897
Têmpera sobre tela, 85,5 x 108,5 cm
Helsínquia, Ateneum



Pekka Halonen (1865-1933)
Rebentos de Pinheiro Cobertos de Neve (Lumisia männyntaimia), 1899
Tela, 44,5 x 29,5 cm
Helsínquia, Ateneum



Hugo Simberg (1873-1917)
O Anjo Ferido (Haavoittunut enkeli), 1903
Óleo sobre tela, 127 x 154 cm
Helsínquia, Ateneum



Tyko Sallinen (1879-1955)
As Lavadeiras (Pyykkärit), 1911
Óleo sobre tela, 154 x 136 cm
Helsínquia, Ateneum



Helene Schjerfbeck (1862-1946)
Auto-retrato, Fundo Negro (Mustataustainen omakuva), 1915
Óleo sobre tela, 45,5 x 36 cm
Helsínquia, Ateneum



Wäinö Aaltonen (1894-1966)
Musica, 1926
Madeira dourada, altura sem a base 52 cm
Helsínquia, Ateneum

Crna Gora

No próximo dia 21 de Maio, um referendo interno decidirá o futuro do Montenegro, a independência ou a manutenção no estado da Sérvia e Montenegro. O resultado é uma incógnita, visto que a divisão de opiniões é ainda muito grande. Lembro-me da confusão nos dísticos identificadores dos automóveis: havia os saudosistas do YU, os unionistas do SCG (Srbija i Crna Gora) e os independentistas do CG (Crna Gora).
Por todo o lado, o cirílico, o alfabeto oficial do sérvio, convivia pacificamente com o alfabeto latino. De resto, quanto à língua oficial, as fontes dividem-se entre o sérvio e o montenegrino (crnogorski).
Crna Gora significa, literalmente, "monte negro", designação generalizada pelos venezianos. A capital, Podgorica, teve vários nomes ao longo da história, e chamou-se, de 1945 até 1992, Titograd, a cidade de Tito.
A moeda corrente no Montenegro é o euro. Há já uns anos que, através de um acordo bilateral com a Alemanha, o Montenegro adoptou o marco, tendo mudado posteriormente para o euro. A nossa guia tratou de advertir os coleccionadores compulsivos para a inutilidade de procurarem moedas montenegrinas, visto que o Montenegro não tem autorização para cunhar moeda.


Kotor

De Perast, continuámos ao longo da baía de Kotor, considerada uma das baías mais bonitas do mundo (ver vídeo). Kotor e a região de Boka Kotorska estão classificados pela UNESCO como património natural, cultural e histórico.


Kotor

Kotor é uma cidade muito bonita, rodeada por uma fortificação medieval, e com muitas igrejas e palácios, que constituem belos exemplares arquitectónicos, que variam entre o românico, o gótico, o renascentista e o barroco. Muitos destes monumentos foram danificados pelo sismo de 1979, mas foram recuperados, com o apoio da UNESCO.


A igreja ortodoxa de S. Nicolau (séc. XX), reconstruída com
pouco apoio da comunidade, maioritariamente católica


De Kotor seguimos para Sveti Stefan (Santo Estêvão), onde almoçámos. Sveti Stefan é uma ilha, fortificada no século XV, que teve, em tempos, grande importância estratégica e comercial. A partir do final do século XIX, perdeu, gradualmente, importância e habitantes. Em 1955, foi totalmente renovada e transformada numa estância turística de luxo, uma "cidade-hotel" para o jet set internacional.


Sveti Stefan

Continuámos para Budva, cidade conhecida pelos seus monumentos, pelo festival de teatro e pela intensa actividade turística, no Verão, e pelas suas muitas praias, apinhadinhas de gente. Demos umas voltas pelas ruas e subimos à fortaleza da Citadela, para melhor apreciarmos as vistas.


Budva

No regresso, encurtámos caminho, atravessando a baía de ferry, o que nos permitiu usufruir das imagens oferecidas pelo pôr-do-sol sobre Boka Kotorska, e seguimos, de volta a Dubrovnik.


Boka Kotorska

REFERÊNCIAS

História:
> Jugoslávia: Yugoslavia (Wikipedia), Socialist Federal Republic of Yugoslavia (Wikipedia)
> Montenegro: Montenegro (Wikipedia), History of Montenegro (Wikipedia), Discover Montenegro

Páginas oficiais:
> República do Montenegro, Governo da República do Montenegro
> Organização Nacional do Turismo do Montenegro (Visit-Montenegro.org)

Turismo:
> Projecto Visit-Montenegro.com: Visit Montenegro, Tourism Montenegro, Best of Montenegro, Destination Montenegro, Weather in Montenegro, Photo Montenegro
> Montenegro.com (contém uma lista completa e bem organizada de links sobre o Montenegro)
> Discover Montenegro
> Montenegro Tourism Directory
> Montenegro Tourist Service

Montenegro Blue

Com todas aquelas fronteiras à volta de Dubrovnik, andávamos cheiinhas de vontade de nos metermos num autocarro confortável, com um bom sistema de ar condicionado, e de irmos ver o que se passava do outro lado. Mostar foi a primeira opção: uma cidade martirizada, a renascer das cinzas da guerra, um velho bastião do império otomano ao sul, o Islão ali ao lado. Porém, e por estranho que pareça, as várias agências de viagem a operarem em Dubrovnik organizam as excursões nos mesmos dias da semana, e os dias destinados à Herzegovina já tinham passado. Restavam os passeios ao Montenegro.
Do Montenegro, sabia eu quase nada. Lembrava-me de que o Corto Maltese tinha por lá passado, em tempos de outra guerra. Sabia que tinha sido independente, até se unir à Sérvia e depois integrar a Jugoslávia, e que alinhava ainda com a Sérvia, para a guerra e para a paz.
Tínhamos duas excursões à escolha: uma ao longo da costa e outra que se aventurava pelo interior. Sabendo que as temperaturas subiam exponencialmente com o afastamento do litoral (até aos 51ºC registados em Mostar, dias antes), não tivemos grandes dúvidas.



Saímos logo de manhã, com um grupo heterogéneo, acompanhados por uma guia jovem, bonita e elegante (como a generalidade das croatas) e muito profissional. Esclareceu logo que não sofria de traumas de guerra, pelo que estava à disposição para qualquer tipo de perguntas. E foi desenrolando, em várias línguas, factos e episódios históricos e geográficos. Falou-nos das três Jugoslávias que se sucederam no século XX, da de Tito e da Grande Sérvia de Milošević. Do país ingovernável, pelas sete razões que Tito enumerava: 7 fronteiras, 6 repúblicas, 5 nacionalidades, 4 línguas, 3 religiões, 2 alfabetos e 1 partido político. De vez em quando parava, para mostrar, à esquerda e à direita, as provas da pobreza montenegrina, que comparava orgulhosamente com a rápida reconstrução croata: «E eles não sofreram uma guerra em casa. Nem um único bombardeamento! Eles é que nos atacaram a nós!». Aguentem-se agora, pois. E lá se foi a teoria sobre os traumas de guerra.
Se eu ainda tinha dúvidas, depressa as tirei, ao encetar com a senhora uma interessante conversa sobre a diversidade linguística da ex-Jugoslávia. Perfeitamente consciente de que uma língua é aquilo que o homem quiser, de que o que distingue uma língua de um dialecto é um mero decreto, de que as línguas unem-se e separam-se ao sabor das fronteiras políticas, quis ainda assim saber como é hoje encarada a identidade linguística na região. Tratou logo de me explicar que o servo-croata nunca existiu de facto, que tinha sido uma mera criação política: os croatas falam croata, os sérvios falam sérvio, os eslovenos, esloveno, os macedónios, macedónio e os bósnios, bósnio. Então e os montenegrinos? Ora, os montenegrinos falam servo-croata, claro. E ficámos conversadas.



Partimos de Dubrovnik, passámos por Župa Dubrovačka e pelo fértil vale de Konavle e saímos da Croácia, em direcção a Boka Kotorska, a baía de Kotor. O que mais aflige esta região montenegrina é a falta de água doce. Agora, como dantes, o abastecimento às populações é assegurado a partir de Dubrovnik. Escusado será dizer qual foi a primeira medida tomada pelos croatas a seguir ao primeiro bombardeamento.
A baía de Kotor oferece vistas muito bonitas, há até quem a considere o fiorde mais meridional da Europa. Na realidade, é o canhão (canyon) submerso de um rio, que sofreu o efeito de diversos processos geológicos. A baía é composta por vários pequenos golfos, ligados por canais.


As ilhas de Sveti Juraj e Gospa od Škrpjela

Em frente à localidade de Perast há duas pequenas ilhas, cada uma com uma igreja: a de Sveti Juraj (S. Jorge) e a de Gospa od Škrpjela (Nossa Senhora da Rocha). Tomámos um barquito que nos levou até à segunda.
A ilha de Gospa od Škrpjela foi construída artificialmente, reza a tradição, sobre navios afundados e pedras trazidas pelos marinheiros, para agradecer o bom sucesso das viagens. Lentamente, a ilha emergiu das águas e aí foi construída uma primeira capela, em 1452.


A igreja e o santuário de Gospa od Škrpjela

A actual igreja barroca, datada de 1632, foi ampliada por volta de 1725, com a adição de um santuário, com uma cúpula octogonal.
O interior da igreja ostenta 68 pinturas de Tripo Kokolja (1661-1713), artista barroco de Perast, algumas obras de origem italiana e um ícone de meados do século XV, pintado sobre madeira, representando Nossa Senhora da Rocha e o Menino, da autoria de Lovro Marinov-Dobričević, de Kotor. A igreja alberga ainda um pequeno museu.
Anualmente, na noite de 22 de Julho, os habitantes de Perast celebram uma festa, durante a qual são lançadas pedras em torno da ilha, para fortalecerem os seus alicerces.


Lovro Marinov-Dobričević, Gospa od Škrpjela, ca. 1452

A caminho de Dubrovnik

Uma das sensações mais gratificantes, em viagem, é a de pertença a um local que poucos dias antes fazia parte apenas do nosso imaginário. Constrói-se pelo estabelecimento de relações, produto, em geral, da criação de pequenas rotinas, e revela-se numa recepção calorosa ou num reconhecimento mútuo na rua. Como os donos daquele restaurante de Kato Gouves, em Creta, onde jantámos quase todas as noites, que acabaram a sentar-se connosco, a mostrar-nos as gracinhas da filha bebé, a pedir-nos conselhos para umas férias em Portugal e a dar-nos a receita do frappé. Ou a empregada do único estabelecimento de Quioto onde conseguimos encontrar um pequeno-almoço que não incluísse arroz, que já antecipava os nossos pedidos. Ou o funcionário da Galeria Ivan Meštrović, em Split, que nos tirou fotografias, que esclareceu algumas das minhas dúvidas sobre a ortografia do croata e que nos falou da namorada portuguesa, de Setúbal, que tivera na juventude.
Encontrámo-lo, dias depois, entre o amontoado de gente que se acotovelava no Peristilo, para assistir aos espectáculos da Noite de Diocleciano. Cumprimentou-nos, sorridente, e desenrolou as perguntas da ordem: o que é que já tínhamos visto, se estávamos a gostar, o que é que íamos fazer no dia seguinte, e sugeriu mais alguns passeios. Disse-lhe que partíamos de manhã para Dubrovnik, que tínhamos adorado Split, mas estávamos ansiosas por conhecer a Pérola do Adriático. Ele, então, esboçou um sorriso misterioso e replicou: «Sim, Dubrovnik é mais bonita, mas Split é mais interessante».
A força argumentativa daquele mas, que tantas vezes analisei com os meus alunos, deixou-me apreensiva. Há muitos anos que queria conhecer Dubrovnik. A cidade pairava no meu imaginário desde Bordéus, quando era a terra natal do judeu Samuel Cohen, personagem do Dicionário Khazar, do escritor sérvio (então jugoslavo) Milorad Pavić. Era uma das minhas leituras predilectas, naqueles serões de chá no estúdio do Geraldo, e foi com ele que os mistérios da Europa entre o Cáucaso e os Balcãs entraram na minha vida. Numa época em que, após a queda do muro de Berlim, a desagregação dos regimes da Europa de Leste preenchia os noticiários, com a execução de Nicolae Ceauşescu, na Roménia, e a guerra civil, na Jugoslávia. Sofri com os relatos duma Dubrovnik destruída pelos bombardeamentos sérvios e montenegrinos, imaginei-a irrecuperável. Soube-a, mais tarde, reconstruída, e ansiava por conhecê-la pessoalmente.
Contudo, viajei já o suficiente para saber que aquilo que se encontra nunca é o que se procura: procuramos o certo e encontramos o inesperado. Split foi um encontro inesperado, Dubrovnik uma confirmação.


Neum

Partimos de manhã cedo, de autocarro, com destino a Dubrovnik. Cerca de 4h30 ao longo da Riviera Makarska e uma incursão na Herzegovina, com paragem para pequeno-almoço em Neum. Em 1699, pelo Tratado de Karlowitz, a então República de Dubrovnik concedeu a região de Neum ao Império Otomano, para assegurar protecção contra as investidas da República Veneziana. As consequências actuais são, para a Bósnia-Herzegovina, o único acesso ao mar e a possibilidade de exploração do turismo balnear, amplamente valorizada pelo facto de os preços praticados serem inferiores aos correspondentes croatas; para a Croácia, um país dividido em dois, com o isolamento terrestre da região de Dubrovnik, que é hoje um enclave na Bósnia-Herzegovina.


Porta de Pile

Deixei-me dormir, embalada pelo ronronar do motor e pela brisa do ar condicionado, e só acordei já à entrada de Dubrovnik, tendo perdido a atracção que é a nova ponte, reconstruída depois dos desvarios da guerra. A estação rodoviária fica na zona nova da cidade, que duvido que algum turista conheça verdadeiramente. A primeira coisa a fazer é procurar a vizinha paragem dos autocarros que vão para a Porta de Pile, a entrada principal da Cidade Velha (Stari Grad).
Felizmente, tivemos a excelente ideia de reservar alojamento a partir de Split. Ainda nos assustámos, quando percebemos que uma antecedência de três dias era muito arriscada. Dubrovnik é a maior atracção turística da Croácia, e no Verão passado estava infestadinha de gente. Íamos um tanto apreensivas, sem sabermos muito bem o que iríamos encontrar. Já o quarto particular que a funcionária do posto de turismo nos tinha arranjado em Split (sim, porque os hotéis estavam todos esgotados), apesar de bem localizado, deixava a desejar, com o seu espaço exíguo, a falta de ar condicionado e o mini-cilindro que só aquecia água para um duche de cada vez. Mas tivemos imensa sorte: calhou-nos um hotel dos anos 20/30, em fase de remodelação e em busca da opulência de outrora, mas muito acolhedor, com um jardim fresquinho e simpático, um bom bufete de pequeno-almoço, um quarto espaçoso e uma casa de banho funcional (o pormenor do lacrauzinho atrás da porta até deu colorido às férias). E ficava muito bem situado, perto da Porta de Pile, mesmo em frente ao Hilton.