InterRail 2005 (IV)

Ainda durante as minhas perambulações pela Holanda, tive oportunidade de visitar a sua capital política: Den Haag, entre nós também conhecida por Haia. No entanto, para muita gente, Amesterdão é a capital de facto da Holanda, nomeadamente, a nível económico. Haia é uma cidade agradável, com meio milhão de habitantes, muito plana e muito verde. Em cada canto deparamo-nos sempre com as inevitáveis bicicletas características do povo holandês.
Após curta viagem nos excelentes serviços ferroviários holandeses, saí da estação e depressa encontrei um posto de turismo estrategicamente localizado defronte desta. Devidamente orientado e já de mapa na mão, eis que parti, uma vez mais, à descoberta de nova cidade. Procurar o palpitar do seu coração entre canais e vielas, sincronizá-lo com o meu e escutar em cada batida deste uma extensão do meu corpo, o meu principal desiderato.
Como tantas cidades holandesas, possui, como já referi, os inevitáveis canais e simultaneamente uma cultura vincada e variada, fruto do seu passado cultural e das suas tradições humanistas e liberais, que com o tempo se tornaram num traço do seu povo. Um facto que creio merecer destaque são os muitos parques e jardins existentes em Den Haag. Um terço da cidade compreende espaços verdes, o que contrasta sobremaneira com as nossas cidades, por norma frias e impessoais, mais sujas e poeirentas, sem espaços onde as pessoas se possam reunir e conviver. A mescla de povos também é notória e salta à vista: 40% dos seus habitantes são de outras nacionalidades, coexistindo de forma mais ou menos harmoniosa. No entanto, o recente assassinato de Theo van Gogh veio inflamar um pouco os ânimos, em especial junto da comunidade muçulmana, que compreende cerca de um milhão de residentes na Holanda.
Em Haia tive a oportunidade de visitar (e pagar!) mais um museu de arte, que destaco: Mauritshuis, casa de quadros de pintores holandeses célebres, tais como: Vermeer, Rembrandt, Rubens, Potter e Hals, entre outros. A pintura mais famosa que alberga é a famosa Lição de Anatomia, de Rembrandt. Escusado será dizer que as fotografias no seu interior são proibidas, conforme pude constatar por mim próprio, uma vez mais...
Mas fiquei com pena de não ter visto tudo quanto queria, não observado a fachada do Tribunal Internacional de Haia, nem percorrido a zona fronteira ao mar, Scheveningen (por falta de tempo), bem como um parque temático de miniaturas dos principais monumentos (uma espécie de Portugal dos Pequeninos) denominada Madurodam, do qual só tomei conhecimento posteriormente, num dos muitos panfletos que recolhera, mas a que não dera a devida atenção. Talvez numa próxima oportunidade. A Holanda, apesar de ser um país pequeno, é muito rico e diversificado culturalmente.
Saber escolher entre a multiplicidade de opções que se nos levantam é um dos principais segredos de todo o viajante... e assim dar o tempo por bem empregue, para mais tarde recordar.
Antes de terminar esta crónica, duas notas finais de destaque. A primeira foi a minha estreia numa coffee-shop de nome Bluebird (segundo me disseram, uma das mais conceituadas da cidade), e, como o próprio nome indica, foi isso mesmo que lá fui tomar. Um café, pois claro! Localizei-me estrategicamente junto a uma janela por motivos de vária ordem: para poder observar o vaivém de quem entrava e saía e para ver se não levava muito com o fumo de quem não estava a tomar café (o: e assim poder sorver tranquilamente o meu café, que me soube a terras de Portugal. Recomendo a experiência. Se optarem por não beber café, a oferta é variada e é disponibilizado aos clientes um menu com as especialidades da casa, em número apreciável, e a possibilidade de poderem tranquilamente fazer algo que, em muitos países europeus, é punível com multas e penas de prisão. Quanto à segunda nota, a raiar a comédia (ou não, eu na altura lembro-me de não ter achado graça nenhuma!), muita atenção ao comprarem "Mineral wasser" na Holanda. Após comprar a dita garrafa, por cerca de 3€, eis que a abro impetuosamente e, sofregamente, engulo vários tragos de uma assentada, posteriormente cuspidos (na medida do possível, infelizmente), enquanto fazia inenarráveis caretas, pois o que tinha bebido era vinagre. Enfim, sem comentários. Mas fica dado o aviso. Adiante.
Parti ao quarto dia de permanência no país, no comboio da noite... rumo ao norte selvagem e desconhecido. Que novas aventuras me reservaria ainda o futuro? Francamente, creio que preferiria não o saber, mesmo que existisse tal possibilidade. Essa é a única forma de poder encarar com um sorriso genuíno cada nova descoberta. E foi assim que embarquei em mais uma jornada. Destino: a Escandinávia.

Foi das primeiras fotos que tirei em Den Haag. Os cisnes são aves muito bonitas, especialmente quando adultos. Lembro-me de, na altura, a minha fértil imaginação me ter transportado, por breves instantes, para o interior de uma das histórias dos irmãos Grimm. Seriam seis príncipes encantados? Bem, nunca o chegarei a saber... a única certeza com que fiquei foi que apreciaram sobremaneira o pão que lhes dei!
Este local foi onde se realizou o primeiro congresso da Europa, no rescaldo da 2ª Guerra Mundial, em Maio de 1948. Terá sido uma espécie de embrião da Europa económica e política, tal como a conhecemos hoje em dia. Ridderzaal significa o "Salão dos Cavaleiros".
À porta do Museu Gevangenpoort, numa pose artística. Pensar que faziam mesmo isto e outras coisas ainda piores que por lá vi, em tempos não tão remotos assim, só mostra até que ponto o racional e o irracional da psique humana convivem lado a lado, cabendo a cada indivíduo (ou sociedade) escolher qual predominará sobre o outro. Traduzido significa o Museu do Portão da Prisão. Localiza-se no edifício que foi, em tempos, um dos portões de entrada do complexo Binnenhof. Foi, durante 400 anos, uma prisão, sendo hoje em dia um museu que possui uma colecção de instrumentos utilizados para tortura.
O Hofvijver. O nome é complicado de pronunciar, mas com esforço consegue-se!! Trata-se de um prazenteiro lago fronteiro aos edifícios parlamentares (que fazem parte do complexo Binnenhof).
Estes mosqueteiros fazem parte de um conjunto de esculturas recentemente colocadas na via pública, em Den Haag, e achei-os particularmente interessantes. Obviamente que eu não sou um dos ditos mosqueteiros, apesar de aparecer entre eles!! Sou apenas um turista acidental numa foto intencional. As esculturas retratam a companhia do Capitão Frans Banning (também conhecido como o vigia nocturno), que é uma das mais célebres pinturas de Rembrandt e que eu teria oportunidade de apreciar no dia seguinte no Rijksmuseum, em Amesterdão. Este conjunto de esculturas ilustra (a três dimensões) Rembrandt (que estava defronte de mim e portanto, não aparece na foto), munido da sua tela e pincel, na altura em que este "fotopintou" a companhia de Banning. À sua esquerda (e, portanto, à minha direita) encontra-se a escultura da rainha, que também não aparece na foto e se encontraria a observar Rembrandt a fazer a pintura que esta lhe encomendara.
Os estábulos reais da monarquia holandesa, em Den Haag. Mesmo nos dias que correm, os coches continuam a ser utilizados em cerimónias protocolares. Não fui autorizado pelos guardas (mas lá que tentei, tentei!) a tirar fotos no seu interior, mas deu para ver que o edifício se encontra adaptado às necessidades actuais da realeza, tanto em termos de conforto como de inovações tecnológicas.
Eu, mais o meu inseparável saco da Quebra-Mar, a alimentar patos num dos canais secundários de Amesterdão. Eram mais de cem à minha volta!! Existiam várias outras espécies, mas os patos depressa as afugentaram. Conforme se pode ver pela foto, este jardim foi o local escolhido para mais uma das minhas lautas (eu diria mesmo, suculentas!) refeições. Ter encontrado o Lidl (passo a publicidade) durante as minhas perambulações nos subúrbios de Amesterdão foi, de facto, um dos momentos altos do dia. Aproveitei para encher o saco, principalmente com produtos alimentares, que no centro da cidade me teriam custado, no mínimo, o dobro do preço.
Aspecto de como Amesterdão terá sido (a fotografia foi tirada no Amsterdams Historisch Museum) na sua época colonial. A parte retratada mostra os estaleiros onde as naus eram produzidas, o arsenal e uma zona comercial junto ao porto. As naus de maior calado não se podiam aproximar demasiado de terra, pelo que permaneciam mais ao largo e somente as embarcações menores podiam circular, quer nos canais, quer junto à costa.
[ I: de viagem para Paris | II: Paris | III: Amesterdão | IV: Haia | V: através da Escandinávia ]

Texto e fotos de Pedro Bicho

Dès que le vent soufflera



« C'est pas l'homme qui prend la mer
C'est la mer qui prend l'homme » {tatatin}
Moi, la mer elle m'a pris
Je m' souviens, un Mardi

J'ai troqué mes santiag'
Et mon cuir un peu zone
Contre une paire de dock-side
Et un vieux ciré jaune,

J'ai déserté les crasses
Qui m' disaient : sois prudent
La mer c'est dégueulasse
Les poissons baisent dedans !

Dès que le vent soufflera je repartira
Dès que les vents tourneront nous nous en allerons...
« C'est pas l'homme qui prend la mer
C'est la mer qui prend l'homme »
Moi la mer elle m'a pris
Au dépourvu, tant pis...

J'ai eu si mal au cœur
Sur la mer en furie
Qu' j'ai vomi mon quatre-heures
Et mon minuit aussi.

Je m' suis cogné partout
J'ai dormi dans des draps mouillés
Ça m'a coûté des sous
C'est d' la plaisance, c'est l' pied !
Dès que le vent soufflera je repartira
Dès que les vents tourneront nous nous en allerons...

{Ho ho ho ho ho hissez haut ho ho ho}
« C'est pas l'homme qui prend la mer
C'est la mer qui prend l'homme »
Mais elle prend pas la femme
Qui préfère la campagne.

La mienne m'attend au port
Au bout de la jetée
L'horizon est bien mort
Dans ses yeux délavés.

Assise sur une bitte
D'amarrage, elle pleure
Son homme qui la quitte.
La mer c'est son malheur !
Dès que le vent soufflera je repartira
Dès que les vents tourneront nous nous en allerons...


« C'est pas l'homme qui prend la mer
C'est la mer qui prend l'homme »
Moi la mer elle m'a pris
Comme on prend un taxi...

Je f'rai le tour du monde
Pour voir à chaque étape
Si tous les gars du monde
Veulent bien m' lâcher la grappe,

J'irai z'aux quatre vents
Foutre un peu le boxon
Jamais les océans
N'oublieront mon prénom...
Dès que le vent soufflera je repartira
Dès que les vents tourneront nous nous en allerons...

{Ho ho ho ho ho hissez haut ho ho ho}
« C'est pas l'homme qui prend la mer
C'est la mer qui prend l'homme »
Moi la mer elle m'a pris
Et mon bateau aussi...

Il est fier mon navire
Il est beau mon bateau
C'est un fameux trois-mâts
Fin comme un oiseau {hissez haut !}

Mais Tabarly, Pajot
Kersauson ou Riguidel
Naviguent pas sur des cageots
Ni sur des poubelles !
Dès que le vent soufflera je repartira
Dès que les vents tourneront nous nous en allerons...
« C'est pas l'homme qui prend la mer
C'est la mer qui prend l'homme »
Moi la mer elle m'a pris
Je m' souviens, un Vendredi

Ne pleure plus ma mère
Ton fils est matelot
Ne pleure plus mon père
Je vis au fil de l'eau.

Regardez votre enfant
Il est parti marin
Je sais c'est pas marrant
Mais c'était mon destin.
Dès que le vent soufflera je repartira
Dès que les vents tourneront nous nous en allerons...

Dès que le vent soufflera nous repartira
Dès que les vents tourneront je me n'en allerons...


Letra e música de Renaud, Morgane de toi, Mino Music / Polydor, Paris, 1983.
Ouvir a música em VirginMega.fr. Mais sobre Renaud Séchan no seu site oficial de fãs.

Imagens: Kabir Bedi na série televisiva Sandokan, realização de Sergio Sollima,
produção Rai / O.R.T.I.F. / Bavaria Film, Itália / França / Alemanha, 1976.

Onde é que estão as vacas? (II)

Percurso: Marquês de Pombal - Rua Braancamp - Largo do Rato - Jardim da Estrela - Largo de Santos


 

Comunque









Perché un capitano di navigazione deve sempre comunque tenere un diario di bordo?
Yanez de Gomera
Philippe Leroy na série televisiva Sandokan, realização de Sergio Sollima,
produção Rai / O.R.T.I.F. / Bavaria Film, Itália / França / Alemanha, 1976.


P.S. 1: Comunque: significado, etimologia.
P.S. 2: Obrigada, Marisa!

Onde é que estão as vacas? (I)

Estas estão no Parque das Nações.


Autoria, descrição e localização das obras no site oficial do CowParade Lisboa 2006

O paradoxo Kodak

No passado dia 22 de Março, Marc Batard esteve na minha escola para uma conferência-debate, acompanhada pela apresentação das curtas-metragens Solitude verticale, de Gilles Perret e Serge Worreth, e L'homme qui revient de haut, de Gilles Perret.
Marc Batard, montanhista francês, conferencista, escritor e pintor. O ponto alto do seu currículo como montanhista foi, em 1990, a subida do Evereste (8848 metros), a solo e sem oxigénio, em 22 horas e 29 minutos - recorde que, nestas condições, ainda ninguém conseguiu bater. Em 1995, criou a associação En passant par la montagne, com o intuito de apoiar e motivar jovens com incapacidades e inadaptações várias. Abandonou o montanhismo em 1999.
É uma figura franzina, aparentemente calma, com uma história de vida muito complexa. Hoje, diz, encontra a paz na pintura, em Paris, longe das alturas que o chamaram, muito jovem, em 1974.
Interessou-me o homem, fascinaram-me as imagens, mas retive particularmente o debate. Lembro-me de uma pessoa vivamente interessada, que punha questões sucessivas, e que, a dada altura, perguntou a Batard o que é que sentiu quando chegou pela primeira vez ao cimo do Evereste. Eu não pude deixar de rir - passaram-me pela cabeça todas as chegadas aos muitos sítios por onde já passei, o frenesi de resgatar as malas, encontrar um transporte e chegar ao alojamento. Isto no melhor dos casos, quando a reserva está feita, se não ainda é maior a angústia de ter de encontrar onde passar a noite e, sobretudo, onde pousar a tralha. E perceber que horas são; quais os costumes alimentares, por muito que contrariem o nosso metabolismo; convencer o nosso corpo de que agora as regras são outras, por muito que isso lhe custe a ele e a nós.
Uma vez, em Oslo, depois da saga da chegada e do jantar, esperava na rua, enquanto a Ana Isabel, numa cabina, telefonava para casa. Lembro-me de ter feito um esforço para me consciencializar de que estava longe, e de tudo o que isso implicava, mas só consegui realmente sentir que era tarde, que estava cansada e que o dia seguinte ia ser longo.
Marc Batard respondeu que, na verdade, com o cansaço e a escassez de oxigénio, não há muito que sentir. Talvez apenas a apreensão pela descida que está à espera. Lembrou-me de quando, em criança, enjoava nos transportes. Por muito curta que fosse a viagem, e por mais que a minha mãe me dissesse: «Já falta pouco», eu não podia deixar de pensar que, quanto menos faltasse para o destino, maior era a distância para o regresso. Mas Batard disse ainda algo curioso: «Apesar de tudo, gosto de saber que lá estive, fico feliz por lá ter estado».
Alguém perguntou o que é que leva uma pessoa a arriscar a vida para subir montanhas. O montanhista respondeu uma coisa fascinante, a única que eu teria sabido responder: «A procura da beleza, da imagem do belo».
Acho que andamos todos a montar grandes álbuns de fotografias: nas imagens paradas há harmonia, as paisagens são bonitas, as pessoas felizes, não se sente o calor, nem o cansaço, nem os mosquitos, nem os transtornos gastrointestinais. É por isso que eu digo sempre aos meus alunos que a fotografia é metonímica.
As imagens são o mais importante que guardo, a par da tal memória de lá ter estado. Deve ser por isso que o aeroporto onde mais me emociona aterrar é o de Lisboa. Tudo o resto, é para mais tarde recordar.


O Evereste visto de Kala Patthar, no Nepal (imagem de Wikipedia)