As igrejas de Vik

Num domingo de sol, resolvemos, contra todas as recomendações das funcionárias do posto de turismo, ir dar um passeio a Vik. Um passeio deveras arriscado, porque, aos domingos de manhã, não existe ligação entre Balestrand e Vik e, ao fim da tarde, o percurso inverso é igualmente complicado.
Assim, fomos de autocarro até Dragsvik, onde apanhámos o ferry para Vangsnes, e fizemos uma belíssima caminhada de 11 km até Vik, ao longo do fiorde, embevecidas com a vista e com as framboesas silvestres que cresciam nas estreitas bermas da Rv 13, a muito turística estrada panorâmica da região dos fiordes.
Em Vangsnes, ainda vimos, ao longe, a atracção local, a estátua de Fridtjov den frøkne, o destemido rei viking, oferecida em 1913 pelo imperador alemão Guilherme II, grande admirador das sagas nórdicas. Felizmente, a estátua, de 12 metros de altura, sobre um pedestal de 10,5 m, erigida numa elevação, vê-se bem da estrada, o que nos evitou um desvio no percurso, já de si longo e sinuoso.
Chegámos a Vik cansadas e cheias de calor, que o domingo fazia jus ao nome. Vik é uma vilazinha agrícola, situada numa planície entre a margem sul do Sognefjorden e as montanhas, sede da divisão administrativa de Vik i Sogn, que, com as suas 5 subdivisões (Arnafjord, Vik, Vangsnes, Feios e Fresvik), contava, em 2002, cerca de 2 900 habitantes. A sua principal atracção são as igrejas.
A igreja nova data de 1877. Em madeira, pintada de branco, com o telhado negro, lembrou-me as muitas igrejas semelhantes que encontrei na Nova Inglaterra, aí construídas pelos imigrantes do norte da Europa.



Não foi, pois, esta igreja que nos fez percorrer tão duros caminhos. Campo fora, encontramos a Hove Steinkyrkje, o mais antigo edifício de pedra da região de Sogn, construída em meados do século XII.



Atenção, que as datações, por aquelas bandas, nunca são de fiar. Esta mesma igreja foi restaurada por volta de 1880, no âmbito de um episódio histórico deveras curioso. Em finais do século XIX, o arquitecto e protector do património histórico Peter Blix (1831-1901) resolveu restaurar o Håkonshallen, em Bergen, para o que pôs um anúncio no jornal, encomendando pedra idêntica à original. Recebeu uma resposta oferecendo pedra já em blocos, o que o fez desconfiar da sua origem e quis conhecer a sua proveniência. Ficou, então, a saber que a mesma vinha de uma igreja medieval, de uma terriola perdida, a que a população, encantada com a construção de uma igreja nova e moderna, não dava o mínimo valor, tendo-a vendido, por 400 coroas a um construtor local, que se preparava para a demolir. Blix tomou o caso em mãos e, não conseguindo dissuadir a população de demolir a igreja, acabou por a adquirir. Tornou-se, imediatamente, protector do património local de Vik, onde, não longe desta, havia ainda outra pérola da arquitectura medieval: a Hopperstad Stavkyrkje.



Este tipo de igrejas de madeira é particularmente característico da Noruega. Stavkyrkje quer dizer, literalmente, algo como «igreja de vigas erguidas», já que a construção é suportada por uma estrutura de postes de madeira cravados na terra. Estas igrejas eram construídas em pinho e impregnadas de alcatrão, o que lhes dá um cheiro muito característico. Calcula-se que, na Idade Média, havia cerca de mil igrejas deste tipo espalhadas pela Noruega, originalmente católicas, convertidas ao luteranismo pela Reforma de 1536. O novo culto, exigindo instalações à altura, abandonou este tipo de construção. Actualmente, subsistem 28 destas igrejas no país.
A de Vik foi construída por volta de 1130 (o que não quer dizer rigorosamente nada, pois, como seria de esperar, ardeu e foi reconstruída diversas vezes ao longo da sua história -- experimentem contar a quantidade de sensores de fumo e de extintores estrategicamente colocados no interior da igreja), esteve em uso até à conclusão da igreja nova, em 1877, e foi restaurada por Blix, em 1890, igualmente às suas próprias custas e de acordo com o traçado original.
A igreja é extremamente bonita, cheia de pormenores delicadamente esculpidos na madeira, para além de alguns graffiti medievais, em forma de inscrições rúnicas. É rodeada por um cemitério, também ele muito interessante.
Interessante foi também o regresso a Balestrand, cheio de percalços e desencontros. Nada que a simpática boleia de um casal de italianos não tenha desenrascado.

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