Uma aventura em Viena
Não gosto de estereótipos, não acredito que os portugueses usem todos suspensórios, que os americanos sejam todos burros e que as espanholas se perfumem para não se lavarem. Na relação com os estrangeiros, acho tão verdade que os alemães sejam todos xenófobos como que os portugueses sejam todos acolhedores. Pessoalmente, encontrei alemães muito hospitaleiros em Berlim, espanhóis muito abertos aos portugueses em Madrid e brasileiros mais cépticos no Rio de Janeiro. A minha teoria é que, em todo o lado, é preciso dar-lhes tempo, para eles nos conhecerem melhor e nós a eles. Talvez por isso, por no total ter lá passado mais tempo, é que guardo piores recordações de França (das relações interpessoais, entenda-se).
Lembra-me um fim de tarde em Viena, quando eu e a Ana Isabel decidimos aproveitar os últimos raios de sol e a calidez da tarde para darmos um passeio, a pé, ao longo do Ring. É uma avenida circular muito bonita e muito sóbria que contorna e delimita o centro histórico da cidade, ladeada por palácios, igrejas e edifícios muito imperiais e muito cuidados. Íamos andando e conversando, comentando a hospitalidade, a simpatia e a eficiência dos austríacos (por acaso, também a excelência do clima, e nos dias que se seguiram foi o que se viu...). Jantámos perto da pensão e fomos dormir, felizes como dois passarinhos.
Na manhã seguinte, acordámos com um pecúlio de cerca de um euro e meio, manifestamente insuficiente para dois cafés matinais na cidade mais cara da Europa central. Aprendemos nesse dia, à nossa custa, que nunca, mas nunca, se deve deixar acabar o dinheiro no estrangeiro, nem confiar excessivamente na rede de caixas ATM. Descemos a Mariahilfer Straße, uma grande rua comercial que vai dar ao centro, e parámos no primeiro banco, para vermos todos os ecrãs Multibanco rirem-se dos nossos cartões e das nossas caras. Entrámos na agência e fomos extremamente mal recebidas pelo funcionário, que reclamou por os cartões não estarem assinados, desdenhou dos nossos bilhetes de identidade e exigiu passaportes a sério. Ainda argumentámos com a União Europeia, o tratado de Schengen, mas nada. Voltámos à pensão para buscarmos os passaportes, que, por acaso, tinham ficado como caução do quarto, que ainda não tínhamos pago. A dona não achou muita graça, mas foi sensível aos nossos argumentos. Regressámos ao banco e dirigimo-nos a outro funcionário, a quem relatámos o episódio anterior. Este foi mais atencioso, desculpou-se pelo colega, aceitou os nossos bilhetes de identidade, mas não os cartões Multibanco, porque não estavam assinados. Quem é que lhe garantia que não os tínhamos roubado? Aconselhou-nos a assiná-los e a dirigirmo-nos a outra agência, de preferência do Banco de Áustria, porque ali já não teríamos sorte nenhuma, que eles não queriam ser cúmplices de um presumível caso de falsificação de assinaturas.
Andámos mais uns quarteirões até à agência mais próxima do Banco de Áustria, onde as máquinas tiveram a mesma reacção (soubemos, mais tarde, que tinha havido uma avaria nos sistemas, que inviabilizava as comunicações internacionais). Pedimos ajuda a uma funcionária, muito simpática, que nos disse não poder fazer nada; a alternativa seria um cash advance com o cartão de crédito. Infelizmente, naquela agência, o sistema Visa estava avariado havia uns dias, teríamos de nos dirigir à agência mais próxima, mesmo no centro, na Stephansplatz, junto à catedral de Santo Estêvão, a Stephansdom. E lá fomos, ao longo da Mariahilfer, que é enorme, cheias de calor, de fúria e de fome. Só conseguimos arranjar dinheiro para comer pelo meio-dia, e depois de termos desembolsado uns contos de reis em comissões de Visa.
Duas doses de Schnitzel mit Kartoffelsalat acalmaram-nos os ânimos e os estômagos, e resolvemos dar continuidade ao programa do dia: uma tarde no Schloß Schönbrunn. Era o palácio de Verão da família imperial, em tempos no campo, hoje na periferia da cidade. Os quartos da imperatriz Maria Teresa, o escritório do imperador Francisco José, a Gloriette da Sissi, uns jardins lindíssimos, cheios de esquilos, que vêm comer às mãos dos turistas, e uma funcionária muito simpática, que nos confirmou que a hora de fecho do bengaleiro, onde deixámos todos os nossos haveres, era às 17h30.
Pelas 17h20, já refeitas dos aborrecimentos da manhã e com a confiança restaurada nos austríacos, nos esquilos e no Apfelstrudel, descemos o jardim, para encontrarmos o palácio fechado (e com ele o bengaleiro). Entrámos em pânico, batemos a todas as portas, sem resultado, até que pedimos ajuda ao porteiro, que, a contra-gosto, lá saiu do portão e, pesadamente, se encaminhou para o palácio (atenção que, num palácio com aquelas dimensões, todas as distâncias são enormes). A moça simpática estava na sala de convívio, com os outros funcionários, a beber café. Quando a confrontámos com a disparidade entre o horário de fecho e a hora a que ela, efectivamente, tinha abandonado o local de trabalho, argumentou que não havia mais ninguém, que os outros visitantes se tinham já todos ido embora... Os nossos pertences estavam encafuados numa arrecadação...
Não, não é só em Portugal que estas coisas acontecem. Mas também não foi por isto que fiquei com má impressão dos austríacos. Prefiro lembrar-me da senhora da bilheteira da DDSG, que ficou tempos a conversar connosco, a mostrar-nos a colecção de euros e a procurar moedas repetidas para nós.
Sem comentários:
Enviar um comentário