A minha amiga Joëlle diz que aquilo que lhe parece que eu retive da minha passagem pela Normandia foi a ementa. Isto de tanto me ouvir falar em charlottes aux fraises, profiteroles au chocolat, flageolets, pommes duchesse... (cidre, bordeaux, calvados...). Não ouviu ela o que eu reclamei da carne pouco cozinhada, dos vegetaizinhos desenxabidos, das fatídicas beterrabas e do terrível aipo, dos pequenos-almoços frugalité campagnarde...
A ciência, às vezes, prega-nos destas. E esta foi, no caso, um colóquio num Centro Cultural sediado num castelo do século XVII.
O castelo
A perspectiva de uns diazinhos em reclusão científica, num local idílico, rodeada de campos verdes, vacas brancas e vestígios históricos, indissociáveis da quantidade de nomes grandes da cultura europeia que por lá passaram, parecia-me sublime. Ao fim de dois dias, andava já a perguntar pela agência Avis mais próxima.
Campos verdes e vacas brancas
Os donos do castelo são umas pessoas encantadoras. A senhora, em particular, é muito divertida, tendo ultrapassado aquela idade em que nos preocupamos demasiado com aquilo que os outros pensam de nós e nos damos ao luxo de fazer e dizer o que nos dá na real gana. A história mais engraçada que retive foi a de um senhor que, tendo ido deixar a esposa num colóquio, partiu para os Estados Unidos, de onde, assaltado pelas saudades (ou outra coisa qualquer...), resolveu telefonar à mulher, para lhe dizer que a amava. Acontece que o castelo só tem uma linha telefónica e foi a dona Catherine que, estremunhada, recebeu a dita declaração de amor, às 3 da manhã, hora local. Vai daí, não esteve com meias medidas e disse ao cavalheiro que não precisava de se preocupar, porque, a última vez que ela tinha visto a amada esposa, ia esta muito divertida e bem acompanhada a caminho do casino. Do casino, vejam só!
Uma esquina no centro de Cerisy
Cerisy é uma vila pequena, do departamento de Manche, no Bocage Normand. Tem uma igreja, uma farmácia, uma padaria, uma escola, um colégio, um café, um supermercado pequeno, dois médicos e três veterinários, muitas vacas e poucas pessoas. De facto, quando saíamos do castelo, raramente encontrávamos vivalma.
O marido de Catherine é um senhor muito simpático e acolhedor, mas mais discreto. Quando lhe perguntei pela dita agência Avis, sorriu e disse que a mais próxima ficava em St-Lô ou Coutances. À chegada, falou-nos da terra e desaconselhou-nos vivamente Cerisy by night: «C'est vraiment sinistre!». Toda a região foi duramente fustigada pelos bombardeamentos que se seguiram ao desembarque dos aliados (salvou-se o castelo, para o qual os alemães tinham outros planos). A reconstrução foi demasiado rápida e pouco cuidada, pelo que se perdeu muito do pitoresco local.
L'Orangerie
Nos poucos tempos livres que o colóquio nos permitia, tínhamos, como alternativa, o circuito pedestre de 7 Km em torno do castelo, ou um kir no Bar de l'Espérance. Transportes eram uma miragem: um autocarro interessante por dia, até à costa, e uma estação de caminhos-de-ferro, em Carantilly, desactivada há vários anos, onde os comboios só param para deixar e receber congressistas, a pedido do Centro.
Dois dias, teria sido a duração ideal. O castelo é muito bonito e a localização muito agradável. Fiquei alojada numa das dependências exteriores, a Orangerie, de onde se ouvia menos o fatídico sino que orientava as nossas actividades diárias: o despertar, o pequeno-almoço, o início das sessões, o almoço, e por aí fora... Verdadeira reclusão monástica.
Chez moi à l'Orangerie