As cidades e a memória. 1.

Partindo-se dali e andando três dias para Levante o homem encontra-se em Diomira, cidade com sessenta cúpulas de prata, estátuas de bronze de todos os deuses, ruas pavimentadas a estanho, um teatro de cristal e um galo de ouro que canta no alto duma torre todas as manhãs. Todas estas belezas o viajante já as conhece por tê-las visto também noutras cidades. Mas a propriedade desta é que quem lá chegar numa noite de Setembro, quando os dias já diminuem e as lâmpadas multicolores se acendem todas ao mesmo tempo por cima das portas das lojas de peixe frito, e de um terraço uma voz de mulher grita: uh!, lhe apetece invejar os que agora pensam que já viveram uma noite igual a esta e que então foram felizes.

Italo Calvino



Texto de Italo Calvino, Le città invisibili, Torino, Einaudi, 1972
(tradução portuguesa de José Colaço Barreiros, As cidades invisíveis, Lisboa, Editorial Teorema, 2003, p. 11).
Pintura de Vieira da Silva, Luz, 1978
Óleo sobre tela, 97 x 130 cm, França, col. part.

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