A cidade e o bom tempo
Quando eu era pequena, e começava o bom tempo, o meu pai dava início à temporada de saídas familiares. As tardes de sábado no cinema eram substituídas por salutares passeios em meio mais natural, só interrompidos pela época balnear, que nos levou a percorrer todas as estâncias litorais da FNAT, de Albufeira à Foz do Arelho, e ainda a umas boas semanas na então limpinha praia de Sines e nos intermináveis areais da Figueira da Foz (sem falar nas memoráveis férias na FNAT das Termas de S. Pedro do Sul e nas brincadeiras no rio Vouga).
Na Primavera, eram os piqueniques nas matas de Benfica, de S. Domingos e da Rinchoa, as tardes nos jardins do palácio de Queluz, as visitas às primas de Sintra e à tia de Cascais, a frescura dos relvados de Belém. Mais domésticos, os passeios até aos moinhos da Serra da Mira e do Casal de S. Brás, à época cercados de ventos, eucaliptos e campos de trigo, de onde nos entretínhamos a identificar, ao longe, a nossa rua, a nossa casa, a casa da avó e as antenas retransmissoras do Monsanto.
Fonte dos Passarinhos, Caneças
A volta saloia levava-nos anualmente à Malveira e às fontes de Caneças, onde acabava, invariavelmente, com uma almoçarada no Olho do Cuco. Mais castiços, os passeios ribatejanos - Vila Franca de Xira, Moita e Alcochete, por entre coletes encarnados e barretes verdes -, que terminavam, pelo S. Martinho, na feira da Golegã.
Em dias de praia, partíamos logo de manhãzinha para a linha (Oeiras, Carcavelos e Parede), bem abastecidos de pastéis de bacalhau, frango assado, ou de qualquer outro pitéu, transportado dentro da panela de pressão, envolvida em jornais, para conservar a temperatura.
Praia das Maçãs, Sintra
Em dias de excursão, percorríamos as herdades dos criadores de gado do Ribatejo e do Alentejo, onde o meu pai, religiosamente, parava, de repente, e dizia: «Meninos, respirem este ar puro, sintam este cheirinho a natureza!». «A bosta!», rematava a minha mãe.
De campo estava ela farta: veio aos 18 anos para Lisboa e nunca mais quis nada com a natureza. Para fazer variar um pouco o reportório anual, ainda chegou a pegar nas crianças (nós) e a levá-las ao Aquário Vasco da Gama e ao Museu dos Coches. «Museu dos Coches...», desdenhava o meu pai. E pegava na mais velha (eu) e levava-a a galerias e a museus de belas-artes, onde a ensinava a olhar com ar solene e compenetrado para as obras em exposição. Confesso, porém, que o ponto alto do reportório paterno era, para mim, um dia no Jardim Zoológico.
Cascais, vista da Casa da Guia
As férias de Verão, além das muitas horas de praia, a absorver sofregamente todos aqueles raios UVA e UVB (acho que nessa época ainda não havia buracos na camada de ozono; ou, se havia, ninguém nos disse nada, por isso não contava), também eram pródigas em saídas culturais: museus, igrejas e cemitérios, o meu pai não deixava escapar um, nas terras por onde passávamos. O Museu Malhoa, nas Caldas da Rainha, era o meu favorito, porque me deixavam empoleirar nas esculturas do jardim - para propósitos fotográficos, entenda-se.
Este alegre estado de coisas durou até à entrada da mais velha na adolescência, quando começou a questionar a autoridade paterna e o interesse dos passeios familiares, que substituiu por dias inteiros fechada no quarto, a ouvir música deprimente.
Foz do Arelho, a Lagoa de Óbidos revisitada no final dos anos 90
Notas:
A imagem da Fonte dos Passarinhos foi retirada de um trabalho dos alunos da Escola Secundária de Caneças. Apesar de desactivadas, as fontes fazem parte do Inventário do Património Arquitectónico e Arqueológico do Município de Odivelas. O site da Junta de Freguesia de Caneças também acrescenta alguma informação.
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