Palácio Achaioli



O palácio Achaioli (ou Achioli, ou mesmo Acchioli) situa-se na Praça do Corro, hoje Praça da República, em Portalegre, no mesmo local onde, segundo a tradição, ficava o edifício em que viveu D. Iria Gonçalves Pereira, mãe de D. Nuno Álvares Pereira.
O palácio foi construído no século XVIII, por uma importante família de origem italiana, a família Acciaioli.
A família Achaioli chegou a Portalegre em meados do século XVIII, tendo João da Fonseca Achaioli Coutinho mandado construir o palácio e nele colocar o brasão da família, pois aqui viria a fixar a sua residência.



O projecto é da autoria de José Carlos Fonseca Achaioli Coutinho, irmão do proprietário. Em estilo barroco, de linhas geométricas, mantém as características da época. Possui dois andares, com uma fachada sóbria. O rés-do-chão abre para o exterior por janelas guarnecidas de cantaria. O primeiro andar ostenta sacadas embelezadas com gradeamento de ferro. Dois portões estabelecem a comunicação com o exterior.
É, porém, no interior que o edifício ostenta maior aparato. À entrada há dois corredores que dão acesso a um espaço aberto e que ladeiam uma ampla escadaria de granito trabalhado, decorada por painéis de azulejos. A iluminação da escadaria é feita por uma grande janela colocada ao cimo da mesma. A cúpula ao cimo das escadas está decorada com motivos naturalistas, florões e concheados, num trabalho de gesso pintado. No original predominava um azul forte como pano de fundo. Os restantes motivos ostentavam cores suaves de que sobressaíam os rosas, amarelos e verdes, que pretendiam simular a continuação, até ao infinito, da arquitectura real. Como fecho de todo o conjunto foi colocado um brasão de família, emoldurado num desenho de curvas e contracurvas, que, sobressaindo do conjunto, o fechavam e projectavam sobre a escadaria. Actualmente, esta pedra de armas encontra-se no Museu Municipal de Portalegre. Aos cantos foram desenhados e pintados quatro guerreiros, numa atitude de guardiães. A escadaria termina numa galeria que dá acesso ao Salão Nobre do edifício.


Foto de Eunice Leitão e Daniel Mestre

O interior do salão está decorado por painéis de azulejos azul cobalto com cenas campestres e paisagens, enquanto na escadaria a decoração é baseada em silhares de azulejos, cuja moldura policroma, formada de concheados ao gosto barroco, contorna os centros azuis figurados.
Quanto ao brasão que ainda hoje é visível na fachada, por cima da porta de entrada, entre duas janelas principais, foi colocado no palácio no mesmo ano dos azulejos, em 1780, por Santos Simão. É um escudo esquartelado dos Fonseca, Sousa de Arrouches, Achaioli e Zuzartes.
Diogo da Fonseca Achaioli foi o último proprietário do palácio, que foi entregue ao Governo em 31 de Dezembro de 1892.
Em 1887, foi instalado no palácio o Liceu Nacional de Portalegre. As salas do edifício foram adaptadas para salas de aula. Em 1895, os edifícios em redor do liceu foram arrendados e este passou a partilhar o seu espaço com a Sociedade Operária Portalegrense e a Repartição dos Correios e Telégrafos. Apesar das óptimas condições iniciais, em 1917, o edifício começou a entrar em estado de degradação, havendo necessidade de obras de reparação.



No início da década de 1920, começaram a escassear os espaços, havendo necessidade de ampliar as instalações. Começou, então, a ser considerado um liceu de prestígio. Foram feitas obras de conservação e ampliação das instalações, no decurso das quais foram feitos um ginásio e uma sala de Canto Coral.
Mesmo com as várias obras de ampliação e de construção, o liceu foi-se degradando constantemente, o que levou à necessidade de um novo liceu. A decisão de construir um novo edifício foi tomada em 1967 e as obras foram concluídas em 1975.
O palácio Achaioli albergou, desde 1976, diversas instituições e, posteriormente, a partir de 1986, a Escola Superior de Educação de Portalegre. No final dos anos 1980, o edifício sofreu importantes remodelações e tem sido, periodicamente, sujeito a obras de conservação e adaptação a novas necessidades.



Baseado num trabalho realizado por Eunice Leitão e Daniel Mestre

FONTES
> "Conhecer: O Palácio Achaioli". Portal - Boletim Mensal do Instituto Politécnico de Portalegre. Ano 4, nº 37, 05/2003, p. 6.
> "ESE Portalegre". In Escolas Rurais do Nordeste Alentejano.
> MARTINS, Amélia Filipa Antunes; SILVA, Ana Patricia Marcelino. "Os mais conhecidos liceus - Portalegre - Liceu Mouzinho da Silveira". In Os lugares da escola - A evolução dos liceus em Portugal.
> "Roteiro das Casas Brasonadas". In Município de Portalegre.


O Palácio Achaioli e, à direita, o Palácio Avillez, em 1928

Toada de Portalegre



Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros,
Morei numa casa velha,
Velha, grande, tosca e bela,
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela...

Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
- Quis-lhe bem, como se fora
Tão feita ao gosto de outrora
Como ao do meu aconchego.

Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De montes e de oliveiras,
Do vento soão queimada,
(Lá vem o vento soão!,
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
Dói nos peitos sufocados,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão...)
Em Portalegre, dizia,
Cidade onde então sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for,
Na tal casa tosca e bela
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela,
Tinha, então,
Por única diversão,
Uma pequena varanda
Diante duma janela.

Toda aberta ao sol que abrasa,
Ao frio que tolhe, gela,
E ao vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda
De redor da minha casa,
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros,
Era uma bela varanda,
Naquela bela janela!

Serras deitadas nas nuvens,
Vagas e azuis da distância,
Azuis, cinzentas, lilases,
Já roxas quando mais perto,
Campos verdes e amarelos,
Salpicados de oliveiras,
E que o frio, ao vir, despia,
Rasava, unia
Num mesmo ar de deserto
Ou de longínquas geleiras,
Céus que lá em cima, estrelados,
Boiando em lua, ou fechados
Nos seus turbilhões de trevas,
Pareciam engolir-me
Quando, fitando-os suspenso
De aquele silêncio imenso,
Eu sentia o chão a fugir-me,
- Se abriam diante dela,
Daquela
Bela
Varanda
Daquela
Minha
Janela,
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros,
Na casa em que morei, velha,
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
À qual quis como se fora
Tão feita ao gosto de outrora
Como ao do meu aconchego...

Ora agora,
Que havia o vento soão
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
Dói nos peitos sufocados,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão,
Que havia o vento soão
De se lembrar de fazer?
Em Portalegre, dizia,
Cidade onde então sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for,
Que havia o vento soão
De fazer,
Senão trazer
Àquela
Minha
Varanda
Daquela
Minha
Janela
O testemunho maior
De que Deus
É protector
Dos seus
Que mais faz sofrer?

Lá num craveiro que eu tinha,
Onde uma cepa cansada
Mal dava cravos sem vida,
Poisou qualquer sementinha
Que o vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda,
Achara no ar perdida,
Errando entre terra e céus...,
E, louvado seja Deus!,
Eis que uma folha miudinha
Rompeu, cresceu, recortada,
Furando a cepa cansada
Que dava cravos sem vida
Naquela
Bela
Varanda
Daquela
Minha
Janela
Da tal casa tosca e bela
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela...

Como é que o vento soão
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
Dói nos peitos sufocados,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão,
Me trouxe a mim que, dizia,
Em Portalegre sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for,
Me trouxe a mim essa esmola,
Esse pedido de paz
Dum Deus que fere... e consola
Com o próprio mal que faz?

Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for
Me davam então tal vida
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros,
Me davam então tal vida
- Não vivida!, mas morrida
No tédio e no desespero,
No espanto e na solidão -
Que a corda dos derradeiros
Desejos dos desgraçados
Por noites do vento soão
Já várias vezes tentara
Meus dedos verdes suados...

Senão quando o amor de Deus
Ao vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda,
Confia uma sementinha
Perdida entre terra e céus,
E o vento a traz à varanda
Daquela
Minha
Janela
Da tal casa tosca e bela
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela!

Lá no craveiro que eu tinha,
Onde uma cepa cansada
Mal dava cravos sem vida,
Nasceu essa acaciazinha
Que depois foi transplantada
E cresceu, dom do meu Deus!,
Aos pés lá da estranha casa
Do largo do cemitério,
Frente aos ciprestes que em frente
Mostram os céus,
Como dedos apontados
De gigantes enterrados...

Quem desespera dos homens,
Se a alma lhe não secou,
A tudo transfere a esperança
Que a humanidade frustrou:
E é capaz de amar as plantas,
De esperar nos animais,
De humanizar coisas brutas,
E ter criancices tais,
Tais e tantas!,
Que será bom ter pudor
De as contar seja a quem for.

O amor, a amizade, e quantos
Sonhos de cristal sonhara,
Bens deste mundo, que o mundo
Me levara,
De tal maneira me tinham,
Ao fugir-me,
Deixando só, nulo, atónito,
A mim, que tanto esperara
Ser fiel,
E forte,
E firme,
Que não era mais que morte
A vida que então vivia,
Auto-cadáver...

E era então que sucedia
Que em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros,
Aos pés lá da casa velha
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
- A minha acácia crescia.

Vento soão!, obrigado
Pela doce companhia
Que em teu hálito empestado,
Sem eu sonhar, me chegava!
E a cada raminho novo
Que a tenra acácia deitava,
Será loucura!..., mas era
Uma alegria
Na longa e negra apatia
Daquela miséria extrema
Em que eu vivia,
E vivera,
Como se fizera um poema,
Ou se um filho me nascera.

Poema de José Régio ([1941] 1971). Fado. 3ª edição. Lisboa: Brasília Editora, pp. 97-107.

Casa do Poeta José Régio v2



O Poeta Régio chega para ser professor do liceu e fica superdeprimido não com o que isto é, mas com o que isto não é, nem tem, nem representa, e pensa matar-se.
Cidade onde então sofria coisas que terei pudor de contar seja a quem for.
Anos mais tarde, habituou-se e, diz até quem o conheceu, mais ao seu feitio austero e carrancudo, que nem queria outra coisa e odiava as grandes cidades.
A base dessa mudança foi a casa.
A ideia dele para um bom lar seria um casarão enorme que pudesse encher de crucifixos. Encontrou-o, alugou-o e encheu-o de crucifixos. Uma antiga pensão de pedra grossa, voltada para o cemitério e colada a umas cavalariças malcheirosas da GNR. Aos sábados e domingos saía com motorista e corria os campos, de quinta em quinta, de monte em monte, azuis na distância, como ele dizia, convencendo velhotes a vender velharias religiosas por dois tostões. Salvou vários tesouros artísticos religiosos de alimentarem a lareira dum camponês qualquer, no Inverno.
Sol na vidraça, escuro nos recantos. Casa tosca e bela à qual quis como se fora feita para morar nela.
Na verdade, a casa até arrepia de crucifixos. Crucifixos de madeira, de barro, de metal, cristos elegantes, toscos, esquisitos, serenos, agonizantes, zangados por serem o Messias, descrentes na ressurreição, optimistas quanto a isso, cristos antigos, recentes, europeus, asiáticos, cristos às centenas, há mesmo um de marfim branco com rubis a fazer as gotinhas de sangue. Paga-se bilhete à entrada, menos quem está isento.
Da bela janela da casa, via passar os funerais, o cemitério é mesmo em frente, os dedos gigantes dos ciprestes apontando o céu, um poético cinema de varanda.

Texto de Rui Cardoso Martins ([2006] 2007). E se eu gostasse muito de morrer. 3ª edição, Lisboa: Publicações Dom Quixote, p. 199.