O mistério do foguetão de Carnaxide


Farol da Mama, ou Marca da Mama Sul, Carnaxide (Oeiras),
Abril de 2012


Sempre o conheci e já nem sei bem precisar desde quando lhe reconheço a função (talvez desde as aulas de Geografia do 7.º ano). Lembro-me de, ainda não vai há muito tempo, um amigo, de visita, me ter perguntado o que era aquilo, e de eu lhe ter respondido, sem pensar duas vezes, que era um marco geodésico. Verdade seja dita, nem para lá devo ter olhado, se não ter-me-ia apercebido da nova roupagem, ou pelo menos do aparato das obras. E não teria ficado tão surpreendida quando, recentemente, soube que era um farol, e o descobri travestido de foguetão do Tintim.



Na verdade, o foguetão de Carnaxide faz parte do sistema de balizagem de um dos principais canais de navegação do Estuário do Tejo, o Canal da Barra Sul. Conforme se pode ler no Regulamento da Autoridade Portuária de Lisboa, na página 65 da versão de 2008, "o eixo deste canal é definido pelo enfiamento dos faróis da Gibalta e Esteiro com a marca da Mama Sul" (sugestão bibliográfica encontrada aqui). Este alinhamento encontra-se esquematizado na seguinte imagem (retirada, juntamente com a legenda, daqui):


Representação esquemática das barras para orientação dos navios, à entrada
do Porto de Lisboa, e dos faróis que definem o alinhamento dessas barras


O meu equívoco não é, porém, singular: tenho-me vindo a aperceber de que é comum a oscilação entre as designações de marco (ou vértice) geodésico e de farol. Estranho é que as entidades competentes sejam omissas quanto à sua referenciação. A Direcção de Faróis não o lista como tal (talvez porque, oficialmente, é apenas uma marca de balizagem, como refere o Regulamento da APL), ao contrário da Revista da Armada, que o refere a páginas 145 da sua compilação de revistas do ano de 2006 como Farol da Mama (mas também como Marca da Mama). O Instituto Geográfico do Exército refere-o como vértice geodésico de 2.ª ou 3.ª ordem, mas o Instituto Geográfico Português omite-o dos resultados da busca na Rede Geodésica Nacional (surge, porém, na listagem do sistema ETRS89).



A conclusão que tirei é que a preguiça não compensa. E nem era preciso procurar muito para ler, na página da Junta de Freguesia de Carnaxide, que "o chamado «Foguetão de Carnaxide» [é] uma construção erigida na elevação de 145 metros de altitude junto a um marco geodésico existente na localidade". Pois é: não é um vértice com a função de farol, mas um vértice e um farol muito próximos. A imagem de satélite do Google já me tinha deixado de pulga atrás da orelha, mas uma fotografia amavelmente cedida pelo colega MCV veio tirar-me qualquer dúvida:


Setembro de 2007 (imagem de MCV)

E é assim que eu me lembro de o ter visto sempre, tal como também documentado aqui, aqui, aqui, aqui, ou mesmo aqui. Das obras, não me apercebi, nem da polémica acerca delas. A bem da verdade, também nunca me dei conta de que é iluminado desde 1995.
Pelo que me foi dado compreender, por diversas referências na Internet, as obras recentes tiveram, sobretudo, a função de elevar o farol, cuja visibilidade viria a ser comprometida pela construção de edifícios altos nas redondezas. Na verdade, a elevação e a nova pintura dão-lhe um aspecto mais consentâneo com um farol, mas as obras circundantes estão, aparentemente, paradas: depois de terraplanagem e construção de algumas infra-estruturas (arruamentos, iluminação pública e lugares de estacionamento), o local foi deixado abandonado (e, convenhamos, desfeado).
Finalmente, pela primeira vez, fui visitá-lo em Abril e pude confirmar a manutenção de um marco geodésico junto à base do farol (aparentemente, existe outro no topo):





E pronto, está desvendado o mistério, que afinal não era mistério nenhum. Quanto a mim, ganhei um farol para a colecção (e pensar nas voltas que dei à cabeça para perceber que raio era o Farol da Mama!), e novos motivos para o meu marco de sempre ser um marco incontornável na minha geografia.

Nota: Mais uma interessante galeria de fotos de faróis portugueses, aqui.

4 comentários:

Pedro disse...

Excelente post!
É asim mesmo. De marca passou a farol, a foguetão e a marco geodésico.
Dantes para quem entrava a barra, era apenas uma confirmação do enfiamento da gibalta com a esteira. depois ganhou (com enorme vantagem) uma luz encarnada e, mais tarde, teve de subir a altura porque já quase não se via.
Entretanto houve vários pinheiros que foram sendo cortados, à medida que cresciam, para garantir a visibilidade a partir do mar.
O que já não se reconhece é a colina que lhe deu o nome de mama.
Outro boneco da Mama aqui: http://bonecosdebolso1.blogspot.pt/2011/04/mama.html

Teresa O disse...

Obrigada!
Passei por esse boneco, sim, conforme lincado acima -- faz parte da minha bibliografia de referência ;)

Vereda disse...

Entendamos as terraplanagens [e seus efeitos paisagísticos] como os danos colaterais de uma mamografia...

Teresa O disse...

;-)