#TBT: Les Diablerets, 2006


Les Diablerets (Ormont-Dessus, Vaud, Suíça), Fevereiro de 2006

2006 foi o ano em que decidi contrariar o desencontro que havia entre a neve e eu. Até aí, só a tinha visto uma vez, na Serra da Estrela, numas férias da Páscoa, e, muito de fugida, na Guarda, quando por lá andei, entre 1997 e 1999. Curiosamente, soube agora que, nos últimos 86, só houve um ano mais quente que 2017, e foi, precisamente, 1997, o que poderá explicar a falta de neve.
Assim, depois da amostra que me aguçou o apetite, no final de Janeiro, aproveitei o convite para ir fazer uma escapadinha de Carnaval aos Alpes suíços, onde esperava encontrar muita.
Fomos de avião para Genebra, com transbordo em Madrid, onde as aeronaves estavam a ser passadas a líquido descongelante -- e eu a esfregar as mãos de contente, a antecipar uma paisagem branca à chegada. Porém, recebeu-nos uma atmosfera cinzenta, fria e húmida.
Na estação ferroviária, pediram-me, pelo bilhete, um valor terminado em qualquer coisa como "huitante" ou "septante". Era a minha primeira vez na Suíça, pelo que aquela forma de numeração, que eu só conhecia na teoria, me pareceu uma outra língua e me deixou sem reacção. A funcionária da bilheteira repetiu mais uma vez, em versão suíça, e uma terceira, em versão francesa, enquanto eu arregalava os olhos, não só pela estranheza linguística, como também pelo valor monetário em causa. Sim, estava na Suíça.


Entre Aigle e os Diablerets (Vaud, Suíça), Fevereiro de 2006

Embarcámos num comboio inter-regional que faz um percurso belíssimo, junto ao lago Lemano, mas, para meu desapontamento, sem neve à vista. Saímos na estação de Aigle, onde mudámos para um comboio mais pequeno que subiria a montanha até ao nosso destino. Sentei-me à janela, expectante, mas a tarde ia avançada, o dia escurecendo e a minha desilusão aumentando: "Ainda não é desta". O comboiozinho ia rolando, devagar, pelas curvas da montanha, até que vislumbrei, por entre o lusco-fusco, os primeiros farrapos, à beira da linha. Continuei céptica, que não fora para aquilo que eu me levantara de madrugada, e não via jeito de melhorar. Mas, aos poucos, mesmo no escuro, a paisagem ia ficando mais branca.








Les Diablerets (Ormont-Dessus, Vaud, Suíça), Fevereiro de 2006

Quando chegámos aos Diablerets, senti que tinha aterrado num episódio da Heidi: uma aldeia de montanha, de casinhas típicas, de madeira, com os telhados cobertos de neve. Os telhados, os passeios, os carros, os arbustos, as árvores, as encostas, enfim, tudo estava pintado de branco. A primeira imagem que retenho é a de dois homens, em cima de um telhado, a serrar a neve acumulada, em gigantescos cubos que atiravam para o chão. A primeira experiência foi sair do passeio e entrar, a correr e a saltar, num campo branco fofinho. Asneira: já devia ter aprendido, quando fiquei com um pé preso num buraco de uma rocha, na Serra da Estrela, que a neve tem a capacidade de uniformizar, à vista, qualquer acidente geológico ou desnível do terreno. No caso, o campo fofinho tinha o solo quase um metro abaixo do nível do passeio, pelo que fiquei enterrada até às virilhas, sem conseguir andar. Valeram-me uns ramos de uns arbustos a que me consegui agarrar, para me içar dali para fora. Foi nesse escuro fim de tarde que aprendi a respeitar a neve.
E era muita, nunca tinha visto nem voltei a ver mais neve do que a que vi naqueles cinco dias: neve por baixo de nós, por cima, pelos lados, neve em que nos enterrávamos, em que escorregávamos, que entrava para dentro das botas, que crescia, dia após dia, na janela do nosso quarto.
Foram dias muito frios, em que o tempo mudava muito rapidamente: houve sol, houve nevoeiro, neve ligeira e nevões que fecharam as pistas. Numa manhã mais rigorosa, como não podíamos ir esquiar, fomos dar uma volta a pé, nas imediações do hotel. Só que a neve foi caindo, cada vez mais espessa, e, quando demos por nós, estávamos a andar em círculos, num caldo branco, sem conseguir encontrar o caminho. Não teve graça.
Já os interiores eram quentes e confortáveis, quer os nossos, que nos vestíamos como astronautas, quer os do hotel, onde nunca nos faltou nada, nem sequer o fondue de queijo e a raclette com batatas e enchidos. Passou-se bem.






Les Diablerets (Ormont-Dessus, Vaud, Suíça), Março de 2006

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