Soube um ninho


Portalegre, Junho de 2018

Desta vez, foi na caixa do meu estore que tudo se passou. E, como sempre, eu, em toda a minha inocência, sem perceber nada do que se estava a passar. Comecei por ver um passarinho escuro que pousava com alguma frequência no parapeito da varanda da cozinha, tremelicava e fugia. Achei-lhe graça e ficava à espera de vê-lo aparecer, sem suspeitar de nada. Um dia, pareceu-nos ouvir piar dentro da parede, que, estranhamente, apareceu suja, com muitos detritos arrastados pelo vento para dentro da caixa do estore (já não é limpo há algum tempo, pensei eu). Até que, a partir do final da primeira semana de Junho, um passarinho castanho, nervoso e muito curioso, assentou arraiais na minha varanda, e era vê-lo, para cima e para baixo, a acartar insectos no bico e a espiar os meus movimentos. E só então percebi que tinha um ninho na parede.



O passarinho castanho era uma fêmea, o preto, um macho, e juntos formaram uma ternurenta família de rabirruivos-pretos (Phoenicurus ochruros, Gmelin, 1774). Depressa se tornaram os meus modelos favoritos, sobretudo a fêmea, mais curiosa e menos arisca. Tirei-lhe dezenas de fotografias, através do vidro da janela, sobretudo desde que aprendi a cativá-la com um assobio trinado. Pousava, parada, a responder-me e tínhamos longas conversas as duas. O macho, para eu não o ver, entrava no ninho por cima e raramente pousava na varanda.







Agora, filhos, nem dava por eles. A curiosidade ia crescendo, até que um dia subi a uma cadeira para espreitar lá para dentro, mas nada. A minha fada do lar não foi em cantigas e arrimou-lhe o escadote, dizendo-me que via dois biquinhos lá dentro.





A meio do mês, numa quinta-feira, a mãe começou a ausentar-se menos, ficava mais tempo pousada no parapeito, a olhar para cima e a chamar. Esteve nisto dois dias, o suficiente para eu temer que, quando voltasse do fim-de-semana que ia passar fora, já não os encontrasse. À traição, ainda consegui vislumbrar um passarinho, já bem grandinho, a espreitar cá para baixo, escondendo-se assim que me viu. À segunda vez, apercebi-me de outra cabecinha, atrás do mais afoito.
Quando voltei, na segunda-feira, o ninho estava vazio.
Ainda lá está, que não tive coragem de o tirar. No fundo, tenho esperança que regressem, para uma nova ninhada. Sinto-lhes a falta.

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