Crónica de uma morte anunciada


Belém, Lisboa, Abril de 2015

Confesso: nunca achei piada a palmeiras. Quero com isto dizer que nunca as apreciei fora do seu habitat de origem, usadas como forma de dar um novo ar ao ambiente circundante (tenha ele a pretensão de se mostrar burguês, abastado, tropical, balnear,...). No campo, sobretudo, sempre abominei as alamedas de palmeiras no acesso às propriedades rurais. Porém, fui-me habituando à sua presença e ignorava-as.
Fez em Abril dois anos que tivemos assuntos a tratar na zona do Porto, a que juntámos um almoço com amigos. Fomos de comboio até Espinho, onde uma amiga nos foi esperar e nos conduziu até ao repasto. Pelo caminho, comentou a actividade de alguns funcionários camarários, que andavam atarefados com o corte de árvores. Disse-nos que era um flagelo, que as palmeiras estavam todas a morrer, na zona, atacadas por uma praga de um certo escaravelho-vermelho. Era novidade, para mim, mas, a partir desse dia, comecei a prestar atenção ao estado da espécie em causa (sim, que o bicho é muito selectivo). E, fosse devido à minha atenção ou à voracidade da praga, a verdade é que comecei a ver palmeiras mortas por todo o lado: no litoral e no interior; à beira-rio, no Montijo; nas alamedas do Casino Estoril; em Estremoz. Começou a impressionar-me, e a aproximar-se.


Avenidas Novas, Lisboa, Junho de 2015


Amadora, Junho de 2015


Sete Rios, Lisboa, Julho de 2015

Desde que vim para Portalegre, uma palmeira passou a fazer parte da minha vida: entre as impressões mais antigas que tenho desses primórdios, de há 16 anos, conto o cheiro do fumo da Robinson e a chinfrineira que faziam os passarinhos, antes de adormecerem, na palmeira. A palmeira do Palácio Achaioli tornou-se a minha palmeira, mesmo quando a ignorava ou lhe passava ao largo, para evitar a carreira de tiro das aves.




Portalegre, Fevereiro de 2011 (fotos daqui)

Uma bela palmeira, e antiga! Durante décadas, enfeitou o fundo de muitos retratos de grupo, como este, que já nem sei onde encontrei, em que se vê o Professor Reis Pereira (o primeiro homem a contar da esquerda, na fila de baixo), acompanhado por colegas e alunos:



Há uns meses, alertei quem de direito para a necessidade de mandar vistoriar a palmeira, que o bicho já andava demasiado perto. Sossegaram-me: estava tudo sob controlo.
No passado dia 1, regressei para encontrar isto:


Portalegre, Setembro de 2015

O especialista que a analisou foi peremptório: não há nada a fazer, só preparar o abate e, querendo, pôr no lugar outra que há no jardim, de espécie diferente (que aposto que também vai morrer, com o transplante).
O poeta é que tinha razão (não têm sempre?): devia ter-me afeiçoado a uma acácia ("como se fizera um poema, ou se um filho me nascera")...

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