Montenegro Blue

Com todas aquelas fronteiras à volta de Dubrovnik, andávamos cheiinhas de vontade de nos metermos num autocarro confortável, com um bom sistema de ar condicionado, e de irmos ver o que se passava do outro lado. Mostar foi a primeira opção: uma cidade martirizada, a renascer das cinzas da guerra, um velho bastião do império otomano ao sul, o Islão ali ao lado. Porém, e por estranho que pareça, as várias agências de viagem a operarem em Dubrovnik organizam as excursões nos mesmos dias da semana, e os dias destinados à Herzegovina já tinham passado. Restavam os passeios ao Montenegro.
Do Montenegro, sabia eu quase nada. Lembrava-me de que o Corto Maltese tinha por lá passado, em tempos de outra guerra. Sabia que tinha sido independente, até se unir à Sérvia e depois integrar a Jugoslávia, e que alinhava ainda com a Sérvia, para a guerra e para a paz.
Tínhamos duas excursões à escolha: uma ao longo da costa e outra que se aventurava pelo interior. Sabendo que as temperaturas subiam exponencialmente com o afastamento do litoral (até aos 51ºC registados em Mostar, dias antes), não tivemos grandes dúvidas.



Saímos logo de manhã, com um grupo heterogéneo, acompanhados por uma guia jovem, bonita e elegante (como a generalidade das croatas) e muito profissional. Esclareceu logo que não sofria de traumas de guerra, pelo que estava à disposição para qualquer tipo de perguntas. E foi desenrolando, em várias línguas, factos e episódios históricos e geográficos. Falou-nos das três Jugoslávias que se sucederam no século XX, da de Tito e da Grande Sérvia de Milošević. Do país ingovernável, pelas sete razões que Tito enumerava: 7 fronteiras, 6 repúblicas, 5 nacionalidades, 4 línguas, 3 religiões, 2 alfabetos e 1 partido político. De vez em quando parava, para mostrar, à esquerda e à direita, as provas da pobreza montenegrina, que comparava orgulhosamente com a rápida reconstrução croata: «E eles não sofreram uma guerra em casa. Nem um único bombardeamento! Eles é que nos atacaram a nós!». Aguentem-se agora, pois. E lá se foi a teoria sobre os traumas de guerra.
Se eu ainda tinha dúvidas, depressa as tirei, ao encetar com a senhora uma interessante conversa sobre a diversidade linguística da ex-Jugoslávia. Perfeitamente consciente de que uma língua é aquilo que o homem quiser, de que o que distingue uma língua de um dialecto é um mero decreto, de que as línguas unem-se e separam-se ao sabor das fronteiras políticas, quis ainda assim saber como é hoje encarada a identidade linguística na região. Tratou logo de me explicar que o servo-croata nunca existiu de facto, que tinha sido uma mera criação política: os croatas falam croata, os sérvios falam sérvio, os eslovenos, esloveno, os macedónios, macedónio e os bósnios, bósnio. Então e os montenegrinos? Ora, os montenegrinos falam servo-croata, claro. E ficámos conversadas.



Partimos de Dubrovnik, passámos por Župa Dubrovačka e pelo fértil vale de Konavle e saímos da Croácia, em direcção a Boka Kotorska, a baía de Kotor. O que mais aflige esta região montenegrina é a falta de água doce. Agora, como dantes, o abastecimento às populações é assegurado a partir de Dubrovnik. Escusado será dizer qual foi a primeira medida tomada pelos croatas a seguir ao primeiro bombardeamento.
A baía de Kotor oferece vistas muito bonitas, há até quem a considere o fiorde mais meridional da Europa. Na realidade, é o canhão (canyon) submerso de um rio, que sofreu o efeito de diversos processos geológicos. A baía é composta por vários pequenos golfos, ligados por canais.


As ilhas de Sveti Juraj e Gospa od Škrpjela

Em frente à localidade de Perast há duas pequenas ilhas, cada uma com uma igreja: a de Sveti Juraj (S. Jorge) e a de Gospa od Škrpjela (Nossa Senhora da Rocha). Tomámos um barquito que nos levou até à segunda.
A ilha de Gospa od Škrpjela foi construída artificialmente, reza a tradição, sobre navios afundados e pedras trazidas pelos marinheiros, para agradecer o bom sucesso das viagens. Lentamente, a ilha emergiu das águas e aí foi construída uma primeira capela, em 1452.


A igreja e o santuário de Gospa od Škrpjela

A actual igreja barroca, datada de 1632, foi ampliada por volta de 1725, com a adição de um santuário, com uma cúpula octogonal.
O interior da igreja ostenta 68 pinturas de Tripo Kokolja (1661-1713), artista barroco de Perast, algumas obras de origem italiana e um ícone de meados do século XV, pintado sobre madeira, representando Nossa Senhora da Rocha e o Menino, da autoria de Lovro Marinov-Dobričević, de Kotor. A igreja alberga ainda um pequeno museu.
Anualmente, na noite de 22 de Julho, os habitantes de Perast celebram uma festa, durante a qual são lançadas pedras em torno da ilha, para fortalecerem os seus alicerces.


Lovro Marinov-Dobričević, Gospa od Škrpjela, ca. 1452

1 comentário:

Anónimo disse...

Gostaria de contacatr com o resposável por este blogue pois vou ao Montenegro e gostaria de receber informações.