A caminho de Dubrovnik

Uma das sensações mais gratificantes, em viagem, é a de pertença a um local que poucos dias antes fazia parte apenas do nosso imaginário. Constrói-se pelo estabelecimento de relações, produto, em geral, da criação de pequenas rotinas, e revela-se numa recepção calorosa ou num reconhecimento mútuo na rua. Como os donos daquele restaurante de Kato Gouves, em Creta, onde jantámos quase todas as noites, que acabaram a sentar-se connosco, a mostrar-nos as gracinhas da filha bebé, a pedir-nos conselhos para umas férias em Portugal e a dar-nos a receita do frappé. Ou a empregada do único estabelecimento de Quioto onde conseguimos encontrar um pequeno-almoço que não incluísse arroz, que já antecipava os nossos pedidos. Ou o funcionário da Galeria Ivan Meštrović, em Split, que nos tirou fotografias, que esclareceu algumas das minhas dúvidas sobre a ortografia do croata e que nos falou da namorada portuguesa, de Setúbal, que tivera na juventude.
Encontrámo-lo, dias depois, entre o amontoado de gente que se acotovelava no Peristilo, para assistir aos espectáculos da Noite de Diocleciano. Cumprimentou-nos, sorridente, e desenrolou as perguntas da ordem: o que é que já tínhamos visto, se estávamos a gostar, o que é que íamos fazer no dia seguinte, e sugeriu mais alguns passeios. Disse-lhe que partíamos de manhã para Dubrovnik, que tínhamos adorado Split, mas estávamos ansiosas por conhecer a Pérola do Adriático. Ele, então, esboçou um sorriso misterioso e replicou: «Sim, Dubrovnik é mais bonita, mas Split é mais interessante».
A força argumentativa daquele mas, que tantas vezes analisei com os meus alunos, deixou-me apreensiva. Há muitos anos que queria conhecer Dubrovnik. A cidade pairava no meu imaginário desde Bordéus, quando era a terra natal do judeu Samuel Cohen, personagem do Dicionário Khazar, do escritor sérvio (então jugoslavo) Milorad Pavić. Era uma das minhas leituras predilectas, naqueles serões de chá no estúdio do Geraldo, e foi com ele que os mistérios da Europa entre o Cáucaso e os Balcãs entraram na minha vida. Numa época em que, após a queda do muro de Berlim, a desagregação dos regimes da Europa de Leste preenchia os noticiários, com a execução de Nicolae Ceauşescu, na Roménia, e a guerra civil, na Jugoslávia. Sofri com os relatos duma Dubrovnik destruída pelos bombardeamentos sérvios e montenegrinos, imaginei-a irrecuperável. Soube-a, mais tarde, reconstruída, e ansiava por conhecê-la pessoalmente.
Contudo, viajei já o suficiente para saber que aquilo que se encontra nunca é o que se procura: procuramos o certo e encontramos o inesperado. Split foi um encontro inesperado, Dubrovnik uma confirmação.


Neum

Partimos de manhã cedo, de autocarro, com destino a Dubrovnik. Cerca de 4h30 ao longo da Riviera Makarska e uma incursão na Herzegovina, com paragem para pequeno-almoço em Neum. Em 1699, pelo Tratado de Karlowitz, a então República de Dubrovnik concedeu a região de Neum ao Império Otomano, para assegurar protecção contra as investidas da República Veneziana. As consequências actuais são, para a Bósnia-Herzegovina, o único acesso ao mar e a possibilidade de exploração do turismo balnear, amplamente valorizada pelo facto de os preços praticados serem inferiores aos correspondentes croatas; para a Croácia, um país dividido em dois, com o isolamento terrestre da região de Dubrovnik, que é hoje um enclave na Bósnia-Herzegovina.


Porta de Pile

Deixei-me dormir, embalada pelo ronronar do motor e pela brisa do ar condicionado, e só acordei já à entrada de Dubrovnik, tendo perdido a atracção que é a nova ponte, reconstruída depois dos desvarios da guerra. A estação rodoviária fica na zona nova da cidade, que duvido que algum turista conheça verdadeiramente. A primeira coisa a fazer é procurar a vizinha paragem dos autocarros que vão para a Porta de Pile, a entrada principal da Cidade Velha (Stari Grad).
Felizmente, tivemos a excelente ideia de reservar alojamento a partir de Split. Ainda nos assustámos, quando percebemos que uma antecedência de três dias era muito arriscada. Dubrovnik é a maior atracção turística da Croácia, e no Verão passado estava infestadinha de gente. Íamos um tanto apreensivas, sem sabermos muito bem o que iríamos encontrar. Já o quarto particular que a funcionária do posto de turismo nos tinha arranjado em Split (sim, porque os hotéis estavam todos esgotados), apesar de bem localizado, deixava a desejar, com o seu espaço exíguo, a falta de ar condicionado e o mini-cilindro que só aquecia água para um duche de cada vez. Mas tivemos imensa sorte: calhou-nos um hotel dos anos 20/30, em fase de remodelação e em busca da opulência de outrora, mas muito acolhedor, com um jardim fresquinho e simpático, um bom bufete de pequeno-almoço, um quarto espaçoso e uma casa de banho funcional (o pormenor do lacrauzinho atrás da porta até deu colorido às férias). E ficava muito bem situado, perto da Porta de Pile, mesmo em frente ao Hilton.

1 comentário:

Anónimo disse...

Dubrovnik é incrivel mas split foi das cidades mais feias por onde passei.Cumprimentos