Alminhas (19)




Foz d'Égua (Piódão, Arganil), Novembro de 2023

Cidade de Abril




Amadora, Maio de 2024

Uma das coisas de que a Amadora se orgulha é de ter sido a primeira cidade criada depois do 25 de Abril (mais precisamente, em Setembro de 1979). Outra, é de ter sido, por sete ou oito anos, lugar de residência e de trabalho do grande fotógrafo Alfredo Cunha. E não foram uns anos quaisquer, mas, sim, uma boa parte da década de 1970, cuja relevância histórica pôde registar de forma magistral. Nada mais natural, pois, que, em ano de cinquentenário da revolução, seja dado um destaque especial ao autor e à sua obra.
Foi assim que o programa das celebrações, no concelho, deu relevância ao seu trabalho, com várias iniciativas: o descerramento do painel de azulejo de baixo-relevo da autoria de Alexandre Farto/Vhils, "Honrar quem trabalha" (a partir de fotografias de Alfredo de Cunha), na fachada do edifício dos Paços do Concelho, no dia 25 de Abril; a exposição "25 de Abril de 1974, quinta-feira", com fotografias de Alfredo Cunha e projecção multimédia e música de Rodrigo Leão, patente na Galeria Municipal Artur Bual/Casa Aprígio Gomes, entre Janeiro e Junho de 2024; uma exposição de 50 outdoors com fotografias de Alfredo Cunha e gravuras de Vhils, espalhados pelas ruas da cidade, a partir de 14 de Março.
Acima, junto aos Paços do Concelho, fotografia e chaimite muito significativas para mim; abaixo, os cartazes que fui encontrando pela Amadora.

















Atrás deste último cartaz, podemos ver, à direita, o mural de Odeith dedicado a Amália Rodrigues e, à sua esquerda, uma parede recém-pintada, onde esteve Carlos Paredes. Abaixo, a entrada para a exposição e uma das fotografias que mais me marcaram.





Coligindo, agora, todas as referências, directas e indirectas, a Alfredo Cunha que já passaram por aqui: primeiro e segundo murais de homenagem a Salgueiro Maia, na Avenida de Berna, em Lisboa; mural no Bairro do Bosque, Amadora; exposição fotográfica, em Castelo de Vide; painel de azulejo, na Amadora; a minha fotografia favorita, captada também na Amadora.

Onde é que eu estava há 50 anos?


Amadora, 1 de Junho de 1974 (fotografia de Alfredo Cunha)

Estava aqui.
Nesse dia, o grande Alfredo Cunha, que era então um jovem fotojornalista, meu vizinho, captou esta imagem, à entrada da minha rua. No seu livro 25 de Abril de 1974, quinta-feira, legendou-a assim:

É numa chaimite e agora já na Grande Lisboa que, 37 dias depois, os filhos dos capitães de Abril hão-de comemorar o seu primeiro Dia Mundial. Em «A Mosca», suplemento semanal do vespertino Diário de Lisboa, a Guidinha [Luís de Sttau Monteiro] escreve a sua habitual «redacção», hoje intitulada «Até que enfim». (p. 211)
Foi o primeiro de muitos, este Dia Mundial da Criança. Lembro-me que, após a Comissão de Moradores do Bairro Novo ter aberto à comunidade a mata da Companhia das Águas, era aí que se fazia a festa, com jogos, desporto, pintura, música e muita animação.
Em 1974, foram os soldados que apareceram, com chaimites, e convidaram as crianças que brincavam na rua a subirem e a acompanhá-los num cortejo pela (então) freguesia, até às Portas de Benfica. Uma vizinha, jovem e tomada pelo espírito de liberdade, passou para as mãos dos soldados a filha dela e os filhos da minha mãe. Como éramos dos mais novos, não ficámos do lado de fora, de onde poderíamos cair, mas fomos enfiados dentro do veículo blindado, que ia atulhado como uma lata de sardinhas. Depois, só me recordo de que estava quente e escuro, íamos apertados e nem víamos o caminho. Os soldados tinham-nos dito para irmos gritando "Unidade! Unidade!", mas o meu irmão, que ainda nem tinha três anos, entoava, animado "Humidade! Humidade!".
Não posso dizer que me tenha divertido muito, ou respirado os ares de liberdade, sobretudo desde que me apercebi de que o passeio estava para durar, que não tinha pedido autorização à minha mãe e que a democracia ainda não tinha entrado em nossa casa. Para dizer a verdade, fui a maior parte do tempo apreensiva, a imaginar o reencontro materno-filial.
De facto, não foi um momento de celebração: a vizinha, de entusiasmada que estava, tinha-se esquecido de avisar a minha mãe, que andava pela vizinhança, desesperada, à procura das crianças que tinha deixado a brincar em frente à porta. A alegria de nos ver foi totalmente ofuscada pela fúria e pela visão dos nossos sapatos todos rasgados de lado, por um rebordo metálico no rodapé do carro. Não recordo grandes pormenores das consequências da nossa imprudência, apenas o argumento de que "és a mais velha, devias ter juízo!". Tinha 6 anos.