At sejle er at leve
Svendborg (Dinamarca), Agosto de 2007
Lembro-me de o meu amigo Vítor ter discorrido, em tempos (onde terá sido, exactamente?), sobre a vocação marítima dos dinamarqueses, que considerava hoje bem mais viva que a dos portugueses, que tanto a reclamam. Quanto a isso, não tenho nada a dizer, até porque não tenho dados estatísticos em que me apoiar. Mas o que sei é que as nossas concepções sobre os outros dependem muito dos meios em que nos movemos e das pessoas com quem nos damos. A nossa imersão num determinado meio torna-o mais visível e relevante para nós. Assim de repente, lembro-me dos tempos em que vivi rodeada por, sequencialmente: aficionados tauromáquicos, músicos, advogados, adeptos de filosofias de vida de inspiração oriental, artistas plásticos. O meio profissional e a geografia desempenham um papel que pode ser determinante, e por isso é que os professores e os linguistas são uma constante na minha vida, há já bastante tempo, assim como os entusiastas equestres o têm sido, mais recentemente. Navegadores, só me recordo de ter conhecido a Berta, que andou pelo meu círculo de amizades por pouco tempo, e que foi a única pessoa que conheci, em Portugal, com barco e habilitação para o pilotar. O que não quer de todo dizer que não haja muitas mais (a ocupação das marinas o indicia), eu é que (ainda) não as encontrei.
Tudo isto para dizer que não faço a mínima ideia se os portugueses têm hoje mais ou menos vocação marítima do que tiveram (?) em tempos (o meu amigo Lopo terá opinião mais clara sobre o assunto), da mesma forma que, se não tivesse ido à Fiónia, teria ficado com a impressão que os dinamarqueses se pelam é por maquinaria agrícola pesada. Mas aqueles dois dias em Svendborg foram suficientes para me mostrarem a Dinamarca através dos olhos de quem vive para navegar e navega para viver.
O Jens-Otto é assim, piloto por vocação, hoje no mar, como já o foi no ar. Naquele dia, foi retido por um contratempo, que o demorou mais do que o previsto. Para não perdermos mais tempo, pediu-nos para o esperarmos no porto, onde embarcámos, assim que ele chegou, para uma saída de veleiro, que nos ocupou o resto da tarde. A chuva tinha, entretanto, parado e o sol tornou o passeio ainda mais agradável.
Nesse dia, navegámos, durante umas duas horas e meia, para leste, pelo estreito de Svendborg, entre as ilhas de Fiónia e Tåsinge (e talvez Thurø). No dia seguinte, fizemos uma excursão à ilha de Skarø, de que falarei noutra altura.
2 comentários:
Olá Teresa,
Antes de mais, quero lembrar-te de onde e quando discorri sobre a (falta de) vocação marítima dos portugueses. Foi em abril de 2001, tinha ainda só meio ano de Dinamarca, numa daquelas cartas coletivas que se chamavam Crónicas de Copenhaga. Dizia eu:
(…) em Portugal não é nada comum as pessoas terem um barco e fazerem vela, e aqui, pelo contrário, não é nada fora do normal. Eu, por exemplo, conheço várias pessoas que sabem velejar e velejaram bastante (a [minha mulher], entre outras) e alguns que o fazem ainda regularmente. Ah, mas é porque têm muito dinheiro, porque isso de ter um barco sai caro. Bom, é claro que um dinamarquês médio tem muito mais possibilidades económicas do que um português médio, mas as pessoas de que eu estou a falar não são ricas, algumas delas bem pelo contrário. A questão é mais querer, porque, querendo mesmo e estabelecendo isso como prioridade, a coisa nem é tão cara como se possa pensar. Para vos dar números concretos: ofereceram nos outro dia uma quota num veleiro de 18,6m por 30.000 coroas, que é como quem diz cerca de 800 contos (mais 400 coroas – 10 contos – mensais). Uma parte? Ah, pois, porque isso de ter um barco sozinho é que é mesmo para gente rica. O que a malta aqui faz é juntar se e ter um barco entre um grupo suficientemente grande para não sair demasiado caro a cada um. E um barco chega para todos, porque ninguém precisa dele mais do que umas quantas semanas por ano e mais uns fins-de-semana de vez em quando. Além disso, alguns dos sócios não podem sair sozinhos com o barco para o alto-mar, de maneira que têm de ir sempre com os que, na sociedade, são capitães autorizados. E o barco dá para levar uma dúzia de pessoa de cada vez.
Dava isto como exemplo do que chamava “tradição cooperativa” dos dinamarqueses. Não comprámos a quota do barco, mas tivemos, mais tarde, um automóvel comprado entre três famílias.
Bom, não é para desculpar a falta de rigor, mas era uma carta aos amigos e por isso me permiti dar conta de impressões, sem ir verificar absolutamente nada. A verdade, porém, é que estou completamente de acordo contigo: as nossas conceções dependem do meio em que vivemos e vemos só o que nos é dado ver. É por isso é que eu digo que uma estatística, mesmo mal feita, vale muitas vezes mais que as mais cuidadosas impressões. E é só uma impressão, como te digo, mas, agora que estou na Dinamarca há mais tempo, mais gente ainda conheço que fez ou faz vela. É mesmo uma grande percentagem dos nossos amigos. Mesmo em Moçambique e na Bolívia conheci dinamarqueses que lá tinham barcos e naveguei várias vezes no lago Titicaca com um dinamarquês, no barco dele. Mas isto, claro está, porque sempre vivi muito entre dinamarqueses. Não insisto de modo algum na ideia de que há menos portugueses a fazer navegação de recreio do que dinamarqueses.
Quanto ao interesse pela maquinaria agrícola pesada, não tenho dúvida mesmo nenhuma de que ele existe, pelo menos entre agricultores. As propriedades agrícolas são cada vez maiores e continuam a ser uma ou duas pessoas a tratar de cada propriedade, porque doutra maneira já não é rentável. O tamanho das máquinas agrícolas aumentou tanto nos últimos anos que a minha mulher, que é agrónoma, depois 5 anos fora da Dinamarca fica sempre boquiaberta quando nos cruzamos com uma. Enchem a estrada toda, são um perigo.
É um bonito post. Como sempre, aliás. Mas este e o anterior toca-nos de forma muito especial, a nós, svendburgueses (esta de svendburgueses foi inventada agora mesmo).
Um abraço.
Obrigada pela citação correcta! Eu ainda tenho os teus textos arquivados, não sei é já bem onde, nem tenho, de momento, tempo para procurar, pelo que falei do que me lembrava, assim por alto.
Tenho a impressão (só uma impressão, claro) de que há bastantes portugueses a fazerem navegação de recreio, movemo-nos é em meios diferentes (geográficos, certamente, e económicos, sem dúvida). Hoje, é mais fácil para mim conhecer quem tenha cavalos ou(/e) pratique agricultura biológica e/ou de subsistência.
E quanto à maquinaria agrícola pesada, na Dinamarca, também eu fiquei admirada com o tamanho dos animais. E isso há cinco anos, imagino agora!
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