Nápoles (Itália), Setembro de 2016
Sem contar as escalas em aeroporto, estive em Paris três vezes: em Julho de 1989, em Maio de 1994 e em Junho de 2005. Visitei o Louvre (duas vezes), o Grand Palais, o Carnavalet, o Musée d'Orsay, mas havia sempre uma falta a lamentar: é que eu queria, porque queria, ver os nenúfares de Monet na Orangerie. O pior é que era a única, nunca consegui arranjar companhia. Assim, em Junho de 2005, aproveitei uma manhã em que fiquei sozinha e ala para as Tulherias.
O tempo estava lindo: apreciei os jardins, a vista do obelisco, mas, na Orangerie, só encontrei aberta a casa de banho. Aproveitei, que isto nunca se sabe quando se encontra a próxima, e meti conversa com a funcionária de serviço, que estava mais interessada no segurança com ar de parisiense malandro com quem se entretinha em amena cavaqueira. Pois, respondeu-me ele, estava com azar, a Orangerie estava fechada para obras, estaria pronta dali a uns bons meses, mas, com o atraso que já levava, era coisa para durar bastante. Desanimei: então e os nenúfares, onde é que estavam? Encaixotados, ou pelo menos ter-se-iam lembrado de lhes arranjar um espaço de exposição provisório? Pois, se os queria ver, tinha de ir ao Museu Marmottan, ali para os lados de La Muette: estava lá tudinho! Eu fiz um ar desconfiado, ele lançou-me um olhar malandro e acrescentou: "Menina, nunca acredite em tudo o que lhe dizem...". Sorri, agradeci, saí e sentei-me a estudar o mapa: de facto, o tal museu lá estava, apesar de eu nunca ter ouvido falar dele (é verdade, preparo sempre muito mal as minhas viagens), e ficava perto da Torre Eiffel, onde eu tinha combinado encontrar-me com uma amiga, por volta do meio-dia. Não tinha nada a perder, e até me tinham chamado menina. Estava feito: meti-me no metro e fui para La Muette.
Encontrei facilmente o museu (sou muito boa a ler mapas), mas a empregada da bilheteira tinha muito menos sentido de humor e resmungou que os nenúfares da Orangerie estavam na Orangerie, bem acondicionados, com toda a certeza, à espera do final das obras. Agora, se queria ver Monet, tinha muito que ver ali.
Já que ali estava, paguei e entrei. E vi. Vi muito Monet, vi Monet que nem parecia Monet. Trouxe uma reprodução em postal de uma ponte japonesa, para uma amiga pintora que desdenhava Monet e que me agradeceu aquele lindo Van Gogh! Aprendi a apreciar as diferentes fases da obra do artista e pasmei, pela primeira vez, em frente ao quadro que tinha dado o nome ao movimento impressionista:
Claude Monet, Impression, soleil levant, 1872
Óleo sobre tela, 48 × 63 cm
Musée Marmottan Monet, Paris (França)
Como já me tinha acontecido outras vezes, frente a grandes obras que só conhecia dos livros, achei-o pequeno e algo desconcertante: aqueles barquinhos pretos, tão contrastantes, talvez mesmo deslocados, fizeram-me compreender a polémica gerada na época. Dei a volta completa ao museu, que tem muito mais que ver, mas ainda voltei para me despedir das impressões do Sol nascente.
Este tipo de efeitos de luz tem tido muito sucesso nas artes pictóricas, pelo menos desde Turner, mas foi no quadro de Monet que pensei quando vi esta fotografia de Sebastião Salgado, na exposição Génesis, em Abril de 2015, na Cordoaria Nacional:
Sebastião Salgado, Um grupo de índios Waura à pesca no lago Puilanga,
perto da sua aldeia, na região do Alto Xingu, Mato Grosso (Brasil), 2005.
Do livro (projecto e exposição fotográfica) Génesis, 2013
E, da mesma forma que, nos Alpes suíços me senti dentro de uma pintura de Bruegel, o Velho, e que os lagos finlandeses se me assemelharam aos contrastes de Simberg, também naquele último passeio matinal ao longo da baía de Nápoles, com a neblina a encobrir o Sol e o Vesúvio, me julguei por momentos no Havre do século XIX.
Nápoles (Itália), Setembro de 2016