É ser mais alto
















Amadora, Setembro de 2017

Sou do tempo em que não havia festivais de Verão (Vilar de Mouros era muito longe, não contava) e os espectáculos musicais eram muito caros, muito distantes (o Dramático de Cascais não ficava ao virar da esquina), ou muito interditos pela autoridade parental (ou as três razões em simultâneo). Por isso, e se excluir as actuações das bandas de garagem do meu irmão e dos meus colegas de turma, a minha experiência adolescente com a música ao vivo ficou estreitamente ligada aos concertos patrocinados pela Câmara Municipal da Amadora, por altura das festas da cidade.
Foi assim que nunca entrei no Pavilhão do Dramático de Cascais, só fui uma vez ao Rock Rendez-Vous, ver já nem me lembro o quê, e outra ao Estádio José Alvalade, ver o David Bowie, em 1990 -- e foi esta a minha curta relação com as "30 salas de concertos portuguesas com história que entretanto desapareceram".
Festivais de Verão é uma expressão que tem para mim um significado diferente, e o único dos mais habitualmente referidos em que pus os pés foi o segundo Super Bock Super Rock, no Passeio Marítimo de Alcântara, em 1996, para ver o David Bowie. Antes de abrirem os portões aos estudantes, para compor um público que teimava em não aparecer, meteu-me o meu primo lá dentro, com o passe de um amigo dele para acesso aos bastidores. Ouvi muitas críticas a esse concerto, mas, para mim, foi bestial poder ver o Bowie à pala! Sou bem mais crítica, quando tenho de pagar e me sinto mal servida, como já me aconteceu no Pavilhão Atlântico (ainda alguém lhe chama assim?), que tinha uma acústica horrível (ainda tem?), ou mesmo este ano, em Oeiras, no EDP Cool Jazz.
Mas isso agora não interessa nada, porque eu estava a falar era de espectáculos de entrada livre, e desses vi muitos. Lembro-me de alguns, esqueci outros, mas sem a revolta de me ter sentido assaltada na bilheteira. É por isso que gosto desse tipo de concertos: chego quando quero, vou-me embora quando estou farta, e é tudo ganho.
De entre os mais marcantes, os primeiros de que me lembro foram Rádio Macau, em 1986, se não estou em erro, e Rui Veloso, em 1990, ambos no Parque Central. Depois, na segunda metade dos anos 90, memorável, Cesária Évora, no estacionamento daquele supermercado, na Venda Nova, que eu conheci como Pão de Açúcar e vi mudar de nome muitas vezes.
Pelo país fora, Xutos & Pontapés, em Coruche, e Sérgio Godinho, na Glória do Ribatejo. Revi Sérgio Godinho, anos depois, em Portalegre, mas nada que se compare ao que foi o espectáculo da Glória ("Se a Fernanda Ribeiro consegue, também eu hei-de conseguir", isto ao fim de umas duas horas e uns três encores, embalados pela efeméride do dia). E Mariza, em Albufeira, e GNR, em Viseu (dessa vez, tive de pagar pela entrada no recinto das festas, um valor quase simbólico, que ainda nos proporcionou lugares sentados na esplanada do Tó-Zé das farturas). E houve muitos outros, eu sei, mas já se me varreram.
Este ano (de eleições, como deveriam ser todos), a C.M.A. trouxe-nos Trovante, que eu já não esperava ver. E foi casa cheia, no Parque Central, cheio de jovens grisalhos, a cantarem entusiasmados. Repertório completo e uns pozinhos de Zeca Afonso, Fausto e Adriano Correia de Oliveira, com muita conversa à mistura. Os vivas e aplausos a cada referência ao Zeca fizeram-me sentir de novo na minha velha Amadora operária e comunista. E descobri que, ao fim de tantos anos, ainda me lembrava das letras. Foi um grande espectáculo.

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